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30 outubro 2025

rui lage / da limpeza das matas



 

 
Desconhecem os versos
que escreves na terra
a firmes golpes de enxada
ou que recolhes em cestos,
maçãs de sol,
rotundos pêssegos
 
líricos frutos para os quais
não há leitores.
 
Ignoram como te segues
no voo da perdiz
quando o machado abala o tronco
no coração da floresta.
 
 
 
rui lage
corvo
quasi
2008
 



 

18 maio 2024

rui lage / terminal

 
 
Chegaram ao terminal número Sete
Malas de cabalistas (dói-me a mão!),
Repescam-se com a vida que remete
Um regresso partido no coração.
 
Cabelos intocados, gabardines,
Crinas de cigarros, saias de solidão
E hei-de jazer sem que me ensines
Porque tudo corre da tua emoção.
 
Imóveis, sustentam-se de vontades
Aviões sobre nuvens encarceradas
Atrás do olhar ambos os lados das grades.
 
Humilde por me saber uma vela
Entre portas, entre correntes de ar,
Só para ti me acendo à janela.
 
                                           Bruxelas
 
 
 
rui lage
antigo e primeiro
quasi
2002





 

06 fevereiro 2024

rui lage / o regresso dos lobos

 
 
Esqueceu a vida antes do campo;
Acolhe o estilhaço da geada
Na garganta em feitio de banco
Ou numa chávena requentada.
 
No teu colo deixei camisolas
E faúlhas de vários tamanhos;
Queima-se a pedra e ardem as solas
Dos teus dóceis chinelos castanhos.
 
O derradeiro lobo regressa
O xaile negro, o sono que tarda
A metade da cama intocada.
 
Debaixo do escano amuada
Estava a tua sombra escondida
Que se esgueirou da sombra da vida.
 
 
 
rui lage
antigo e primeiro
quasi
2002




 

13 setembro 2023

rui lage / alcançado

  

Não vem do sol a sombra nem vem do chão,
Nem do choupo mas das horas que aguardam
Um luto antecipado no coração
Que tantas primaveras retardam.
 
Palavras desanimam na esplanada,
Sucumbem à chama lenta do arado:
Estacam, como se fosse cair geada
Na vida de um charco superlotado
 
Os matraquilhos, a estrela menina
Comprimidos nas folhas dos herbários
- O licor surpreendido nos armários!
 
Crianças que eram açúcar nos figos
- Poeira enfim no largo da igreja –
Então percorrendo montes floridos.
 
 
 
rui lage
antigo e primeiro
quasi
2002





27 maio 2023

rui lage / brasserie

 



 

Remexia cerveja, recordava vinho
E lâminas de claridade retinta
Feriam-me nesta inércia de linho
Quando ela entrou, drapeando a cinta
 
A flamenga… tudo o mais era moldura:
Um baixo-relevo de óleo estático
E a luz da lamparina cozedura
De sombra, de ar, de lume dramático.
 
Eu só aplaudia o seu desfile rosado
Como um papel-de-parede ruidoso
(E nos seus cabelos sentia-me usado)
 
Como se lágrimas, palavras jorrando
Na suspensão de ela ser me sentasse
E já desde o fim do olhar me olhasse.
 
                                     
                                               Bruxelas
 
 
 
rui lage
antigo e primeiro
quasi
2002
 



30 julho 2022

rui lage / a demora do carteiro

 
 
Pela aurora a miríade canora
Amotina ausência geométrica,
Alfaiates sobre água inodora
Decifram-me saudade aritmética.
 
Partiu-se-me a manhã num envelope,
Extravio porventura da vigília
Do sonho anterior, parente da morte,
Afastada mas da mesma família.
 
Ir à varanda é estar só chegada
Uma carta endereçada ao peito
E quem sabe se neste perdoada.
 
Demorada a caneta na madrugada,
Com dedos ágeis e desassossegados,
Ontem, descoberto, deus jogou os dados.
 
 
 
rui lage
antigo e primeiro
quasi
2002
 


25 janeiro 2018

rui lage / frutaria



Estarão todos os ares impregnados
Deste sol adocicando a manhã,
Que traz a um tempo do mundo guardados
O pecado e a fruta brilhante e sã?

Estarão filhos por nascer escutando
O tinir de copos pelo noivo amigo?
E esta amizade porque vem entrando
Já fria no café, cada um consigo?

Nada se perder é nada repetir.
Assim tudo se transforma no pão quente:
Mágoas em sossego na grávida doente.

Nada repetir para que tudo volte:
Para quê protelar o amor com obras?
Sempre da morte nascerão coisas novas.


rui lage
antigo e primeiro
quasi
2002






17 setembro 2016

rui lage / 31 de janeiro



A rua é comoção antecipada,
Noutro lugar é a mesma ternura:
Imolar o gesto à mulher amada
Ser-se a madeixa dócil e escura.

Quem as navega e acende? Quem as colhe
Já tão frias nas escadas de metal?
Quem dará graças depois ao que nos tolhe
Após as luzes e os enfeites de Natal?

De qualquer fogueira subir em centelhas,
Em qualquer lume que esfria ser acha
E cheirar teu rosto a maçãs vermelhas.

Peneirar do que declinas o não dito
Ou escrevê-lo até (mas num céu nítido
Que nuvens eu não sigo assim aflito)…


rui lage
antigo e primeiro
quasi
2002






06 julho 2010

rui lage / les baigneuses




...........................para o Agostinho Santos




nas margens do rio depois de jantar
um vulto equipado de isqueiro
e tabaco de enrolar
passa a pente fino cabelos
que as casas deitam nas águas
com fachadas anoitecidas
e postigos iluminados,
quais do banho saídas
ou das telas de Degas
níveas mulheres de robe
e turbante a fumegar.




rui lage
corvo
quasi
2008