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28 março 2022

níkos kavvadías / coaliers

 
 
Em terras do canal da Irlanda, em Liverpool, em Swansea
Entre as gruas das docas vê a gente manhã cedo
Uns homens a passar que não têm ar de marinheiros
Mas seguem para os barcos em descuidado folguedo.
 
Cinco ou seis braças têm os barcos e tão parecidos
Que muita vez se cansam a procura-los no cais
Altas proas pesqueiras, chaminés pontiagudas,
E suas fainas duram uma semana, não mais.
 
Trazem vestidas calças por passar enxovalhadas,
E camisas de rede seja Inverno ou seja V´rão
Um grande lenço para o lume à volta do pescoço
E seguem aos baldões segurando-se pela mão
 
Entram porém pelo terrível canal de Saint-George
Vão de proa direita aonde impera o nevoeiro
Onde os faróis marítimos com roncos de aterrar
Põem louco o incauto que nunca os ouviu primeiro
 
Ufanos cruzam o Atlântico das altas vagas
Adivinham onde estão os faróis pelas buzinas
E vão dançando vagarosa dança sobre as ondas
Que os homens dos cargueiros chamam ondas bailarinas
 
Os marujos flamengos riem-se deles e dizem
Que os ingleses não choram mais de um dia cada morto
E mesmo que quisessem chorar mais não tinham tempo
Pois por cada dez que partem só voltam cinco ao porto
 
Têm por costume seu comprar a comida a contado
Uma lata de aveia e um pedaço de presunto
Mas preferem beber o dinheiro até vir o mestre
Arrastá-los para bordo no último minuto
 
Mas melhor malta que eles nunca em minha vida vi
Vão para bordo tropeçando aos pares de mãos dadas
E sem seque darem bem conta muitas vezes
Vão ao fundo co´os barcos em sonoras gargalhadas.
 
 
 
níkos kavvadías
inimigo rumor, nº 14
tradução de manuel resende
livros cotovia
2003
 



04 junho 2016

níkos kavvadías / o piloto nagel



Nagel Harbor, um piloto norueguês de Colombo,
depois de pôr em suas rotas certas os navios
que zarpavam para portos ignotos e distantes,
descia para o barco, rosto grave, pensativo,
as duas mãos rudes cruzadas adiante do peito,
e, com seu velho cachimbo de barro fumegando,
a falar consigo mesmo nalguma língua nórdica,
ia-se embora enquanto as naus sumiam no horizonte.

Nagel Harbor, ex-capitão da marinha mercante,
depois de ter corrido o mundo inteiro, certo dia
cansou-se e resolveu ficar de piloto em Colombo.
Mas lembrava-se sempre do seu país tão distante
e das ilhas que estão cheias de vozes, as Lofoten.
Um dia, de repente, morreu dentro do seu barco
de piloto, ao escoltar o navio-tanque «Fjord Folden»
que partia, fumegando, para as ilhas Lofoten…


níkos kavvadías
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
trad. josé paulo paes
assírio & alvim
2001



30 junho 2015

nikos kavvadias / mareação



O velho barco do Captain Jim
Aquele em que vós também partis
Já está carregado de haxixe
E aponta a proa ao mar sem fim

Derivamos há meses sem tino
E se o tempo nos der rédea larga
Antes de chegarmos ao destino
Já teremos fumado a carga

Navegamos por um mar fervilhando
De ma espécie de planta esquisita
Irónico um velho sol nos fita
Piscando o olho de vez em quando

Nada resta nos porões sombrios
─ Como se esfumara quilos mil? ─
Esperam-nos cachimbos vazios
E guardas fronteiriços no Chile

Está esquecida a Estrela Polar
As âncoras no mar transviadas
Por cima dos botes a oscilar
Há doze sereias enforcadas

A Górgona à vante certo dia
Atirou-se ao mar embriagada
Levando a nadar de companhia
De Colombo as cinc´almas penadas

E depois à praia o mar picado
Nos há-de atirar feitos novelo
monstros pintados de encarnado
com penas de gaivota no cabelo


nikos kavvadias
nevoeiro
1947
inimigo rumor, nº 14
traduzido do grego por manuel resende
livros cotovia
2003