Viver sem fazer nada. Tratar do que não interessa,
tua gravata à tarde, uma carta que escreves
a um amigo, a opinião sobre um quadro, que dirás
conversando, mas que não terás o mau gosto
de pretender escrita. Beber, que é um prazer efémero.
Amar o sol e desejar verões, e o inverno
lentíssimo que convida à nostalgia (de onde
essa nostalgia?). sair todas as noites, compor
o foulard com carinho
esmerado em frente ao espelho,
embriagar-te em beleza quanto possas, perseguir
e ansiar corpos jovens, planícies prodigiosas,
todo o mundo que cabe em tanta euritmia.
Deixar de manhãzinha tão fantásticos leitos,
cheirar as mãos enquanto buscas táxi, gozando
na memória, porque falam de pêlos macios e delícias
e ocultos lugares e perfumes sem nome,
suaves como os corpos. Então que frio amanhecer,
como é triste, que belo! Os lençóis vão acolher-te
depois, um tanto ermos, esperarás o sono.
Do dia que virá não sabes nada. (Não consultas
oráculos.) Queimar-te-ão tédios, emoções,
tertúlias e belezas, as rosas de um banquete
sumptuoso, e as velhas vielas, aí onde se sente
tudo, no Verão, como um aroma intenso.
Viver sem fazer nada. Tratar do que não interessa.
Se tudo corre mal, se enfim tudo é cruel,
como Verlaine, saber ser o rei de um palácio de inverno.
luis antonio de villena
antologia da poesia espanhola
contemporânea
selecção e tradução de josé bento
assírio & alvim
1985