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26 dezembro 2012

juan miguel lópez / julgamos que a vida nos escapa e na realidade a vida é isso


  

Às vezes fico com a vista parada
─  por exemplo numa parede ─
durante um bom bocado. os olhos
deixam de ver por fora e o corpo
parece que não o sinto. Então
normalmente dou-me conta
(e não mo explico e espanto-me)
desta coisa estranha que é viver,
e faço-me perguntas  que cortam
e o que sou concentra-se num ponto
e a única coisa que sinto é que eu
─  a voz que vive em mim e que me diz
isto e aquilo sem palavras ─ 
também serei menos um. Em breve.
Que tudo o que penso agora,
o que pensei e chegarei a pensar
há muito que não é nada.



juan miguel lópez
poesia espanhola, anos 90
organização e trad. de joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2000




24 outubro 2012

juan miguel lópez / o gozo de estar triste





É tão triste acordar ao meio-dia
de um sábado que soa a vento e frio,
sentir que sobra uma porção de cama
(a cama se não estás é como um túmulo),
abrir os olhos ─  ou, melhor, que seja
a luz que vem abrir-mos ─  e saber
que tudo hoje será inútil, que
este dia nem um milagre o salva.

É triste levantar-se depois, sem jeito,
ir aos tropeções à casa de banho,
olhar-me, bocejar um par de vezes,
ver um homem sozinho no espelho,
um homem sozinho e que o sabe.

É triste que depois, contudo,
o meu corpo continue com o jogo,
e ponha a cafeteira, faça um sumo,
umas torradas e ponha tudo isso
numa mesa, que se sente, que coma
e beba e no mais negro do peito,
sem saber porquê, se lhe solte um pranto.

Torna-se então muito mais triste ainda
olhar pela janela, ver as nuvens
que passam, que ─  tal como a vida ─  passam
sem espaventos, mas que nos comovem,
apoiar-se, por fim, muito lentamente
às costas da cadeira e, isso mesmo,
deixar o olhar fixo e não ver nada.




juan miguel lópez
poesia espanhola, anos 90
organização e trad. de joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2000