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11 setembro 2022

daniel pennac / os direitos inalienáveis do leitor




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Quanto ao livro, nada mais.
Passemos ao leitor.
Porque, mais instrutivos ainda do que os modos de tratar os livros, são os modos de os ler.
Em matéria de leitura, nós, os «leitores», temos todos os direitos, a começar pelos que recusamos aos jovens que pretendemos iniciar na leitura.
 
                1) O direito de não ler.
                2) O direito de saltar páginas.
                3) O direito de não acabar um livro.
                4) O direito de reler.
                5) O direito de ler não importa o quê.
                6) O direito de amar os «heróis» dos romances.
                7) O direito de ler não importa onde.
                8) O direito de saltar de livro em livro.
                9) O direito de ler em voz alta.
              10) O direito de não falar do que se leu.
 
 
Parei arbitrariamente no n.º 10, primeiro porque é uma conta redonda, depois porque é o número sagrado dos famosos Mandamentos, e também porque é agradável, pelo menos uma vez, servir para uma lista de autorizações.
 
Porque se queremos que o nosso filho, a nossa filha, a juventude leiam, é urgente outorgar-lhes os direitos que outorgamos a nós próprios.
 
 
 
daniel pennacc
como um romance
trad. francisco paiva boléo
edições asa
1994





 

07 agosto 2012

daniel pennac / como um romance





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A intimidade perdida…

Neste princípio de insónia, repenso o ritual da leitura, todas as noites, à cabeceira da cama, quando ele era pequeno, a horas fixas e com gestos imutáveis: era de certo modo como uma oração. O súbito armistício depois da balbúrdia do dia, os reencontros livres de todas as contingências, o momento de silêncio concentrado antes das primeiras palavras da história, a nossa voz que finalmente soa como de facto é, a liturgia dos episódios… Sim, a história lida todas as noites constituía a mais bela função da oração, a mais desinteressada, menos especulativa, a que dizia respeito apenas aos homens: o perdão das ofensas. Não se confessava nenhuma falta, não havia qualquer preocupação em receber uma porção de eternidade, era um momento de comunhão entre nós, a absolvição do texto, um regresso ao único paraíso que tem valor: a intimidade. Sem que o soubéssemos, descobríamos uma das funções essenciais do conto, e mais generalizadamente da arte em geral, que é impor uma trégua no combate entre os homens.

O amor ganhava um novo rosto.

E era gratuito.


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Gratuito. Pelo menos era assim que ele o entendia. Um presente. Um momento fora de todos os momentos. Qualquer que fossem as circunstâncias. A história nocturna aligeirava-lhe o peso do dia. Largavam-se as amarras. Ia com o vento, levíssimo, o vento que era a nossa voz.

Não lhe pedíamos que pagasse a viagem, não lhe exigíamos nada, nem um centavo, não lhe pedíamos a menor contrapartida. Nem sequer era uma recompensa. (Ai as recompensas… a necessidade de alguém se mostrar recompensado!) No nosso caso, tudo era gratuito.

A gratuidade é a única moeda da arte.
 






daniel pennacc
como um romance
trad. francisco paiva boléo
edições asa
1994