Brancos são meus pensamentos
Este é o primeiro poema que
te escrevo Anacha ou melhor
em minha língua tu navegas
Com a boca fechada escrevo
muito quieto uma maçã triste
Tinha uma rosa a esperar-te
Vejo cair suas pétalas ao chão
Não as apanho perfumam o meu quarto
E estou sozinho como um louco
As flores aquecem-me
Anacha tenho frio
A poesia aquece-me
Anacha teho frio
A solidão aquece-me
Tenho fogo Anacha
O que é um poeta? Ninguém o sabe
Palavras que mordem somos cães
raivosos de tanta doçura
Li-tai-po não me ouve Vem tu
Minha cabana é formosa
Conhece os meus cantos magoados
E o silêncio sorri-me
É formosa a minha cabana
Sou chuva de beleza
que gota a gota cai sobre o abismo
Sou o Adónis do sofrimento
Meu coração não é deste mundo
E ninguém ama as minhas chagas
Não se tape nunca a boca à dor
Nada se perde ao sofrer-se
A vida é uma porta terrível
deixa-a sempre aberta
A noite é um quarto escurecido pelos amantes
disse William Carlos Williams
Quantas vezes senti a escuridão
dentro de uns cabelos?
Falar a uma mulher que nos ama
de outra mulher que amamos
não se pode fazer neste mundo
Mas quem tem a culpa?
Eu calo-me neve gelada
A religião da linguagem
As palavras são estrelas
Quem me escuta quando falo?
Ninguém a não ser o vento negro
Lendo Esquilo na minha infância
depois duas ou três grandes vozes
Oh Cassandra oh Zaratustra
Ouvir-se-ão palavras ou silêncio
A dor é a única fonte
antologia da poesia espanhola contemporânea
trad. de josé bento
assírio & alvim
1985
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