III
Ó mãe violada pela noite, deposta, disposta
agora entre águas e silêncios.
Nada te acorda – nem as folhas dos ulmos,
nem os rios, nem os girassóis,
nem a paisagem arrebatada e casta.
– Espero do tempo novo todos os milagres,
menos tu.
Somente corres no meu sangue
memoriado
e sobes, carne das palavras outra vez,
todas as vezes, imperecíveis e virgens.
– Do tempo jovem espero o vinho e o pólen,
outras mãos mais puras
e mais sagazes,
e outro sexo, outra voz, outro gosto, outra virtude
inteligente.
– Espero cobrir-te novamente de júbilo, ó corola
imarcescível do canto.
Mas tu estarás mais branca com a boca selada
pelas lisas pedras.
E sei que terei o amor e o pão e a água
e o sangue e as palavras e os frutos.
Mas tu, ó rosa fria,
ó odre das vinhas antigas e limpas?
Do tempo novo espero
o sinal ardente e incorrupto,
mas levo os dedos ao teu nome prolongado,
ó cerrada mãe,
levo os dedos vazios –
e só a tua morte cresce por eles totalmente.
herberto helder
poesia toda
a colher na boca
assírio & alvim
1996
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