Se a morte não fosse mais imperiosa que o silêncio
E me não restasse de vida um sopro de resgate,
Um último sopro a abrir-se sempre à flor de cada tragédia;
Se um puro cravo me não florisse nos lábios
E me não entornasse nas mãos o aroma contagioso
Do sangue das mãos sacrificadas à alegria de viver;
Se uma estranha luz me não prendesse à ara
Do sacrifício comum e me não queimasse
Os membros retalhados nas andadas dos caminhos;
Então reduziria minha fome de teatro
A minha torturante sede de teatro
À tristeza de não dizer as palavras imprevistas.
Assim, Irmãos, improvisarei a cada momento o fim do
mundo,
A cada momento apressarei a tragédia universal,
E no meio da fúria dos elementos e do enxofre da hora final
Tomarei lugar à mesa do banquete comum, sereno e impávido,
Como conviva que não recusa fartar os olhos
Sobre o prato delicioso em que o Verbo é servido numa
última e infinita dimensão.
vasco miranda
a vida suspensa
1953
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