24 agosto 2010

herberto helder / deixarei os jardins a brilhar…


















Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos
detidos : hei-de partir quando as flores chegarem
à sua imagem. Este verão concentrado
em cada espelho. O próprio
movimento o entenebrece. Chamejam os lábios
dos animais. Deixarei as constelações panorâmicas destes dias
internos.



Vou morrer assim, arfando
entre o mar fotográfico
e côncavo
e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas
o sangue que se agrava.



Está cheio de candeias, o verão de onde se parte,
ígneo nessa criança
contemplada. Eu abandono estes jardins
ferozes, o génio
que soprou nos estúdios cavados. É a dor que me leva
aos precipícios de agosto, a mansidão
traz-me às janelas. São únicas as colinas de ar
palpitando fechado no espelho. É a estação dos planetas.
Cada noite é um abismo atómico.



E o leite faz-se tenro durante
os eclipses. Batem em mim as pancadas do pedreiro
que talha no cálcio a rosa congenital.
A carne, sufocam-na os astros profundos nos casulos.
O verão é de azulejo.
É em nós que se encurva o nervo do arco
contra a flecha. Deus ataca-me
na candura. Fica, fria,
esta rede de jardins diante dos incêndios. E uma criança
dá a volta à noite, acesa completamente
pelas mãos.








herberto helder
le poème continu
somme anthologique
traduction de magali montagne & max de carvalho
postface de manuel gusmão
edition bilingue
institute camões / chandeigne
2002






2 comentários:

lena disse...

deixas que os meus olhos brilhem e a minha alma aqueça

excelente como sempre Gil

e não resisto em o levar comigo

beijinho para ti, amigo

fernanda disse...

É como um manto de pássaros, estrelas, músicas, sonhos que nos envolve e nos faz levitar. Inimitável poeta.