e quatro ou cinco rapazes surgiram,
na pele de tigre dos campos, sem
um penhasco, uma cova, um resto de vegetação
que fosse abrigo para eventuais disparos: que
Israel estava ali, sobre a mesma pele de tigre,
semeada de casas de cimento e muros
inúteis, como em todos os subúrbios.
Fui ter com eles, àquele lugar absurdo,
longe da estrada, do hotel,
da fronteira. Foi mais uma amizade,
daquelas que duram uma noite
e atormentam depois toda uma vida. Eles,
deserdados, e também crianças
(que, dos deserdados têm o saber
do mal – o furto, a rapina, a mentira –
e, das crianças, o idealismo ingénuo
de sentir que se consagram ao mundo),
tiveram logo a velha luz do amor
– como de gratidão – no fundo dos seus olhos.
E falando, falando, até
cair a noite (e já um me abraçava,
ora dizendo que me odiava, ora que não,
que me amava, me amava), soube, por eles, todas as coisas,
todas as coisas mais simples. Eles eram os deuses,
ou filhos de deuses, que misteriosamente disparavam,
por um ódio que os faria descer das montanhas de argila,
como noivos sedentos de sangue, sobre os Kibutz invasores
na outra metade de Jerusalém…
Maltrapilhos, que agora vão dormir
ao relento, no fundo de um baldio dos subúrbios.
Com os irmãos mais velhos, soldados
armados de uma velha espingarda e bigodes
de mercenários resignados com mortes antigas.
São estes os Jordanos, terror de Israel,
estes que à minha frente choram
a dor antiga dos foragidos. Um deles,
emissário do ódio, já quase burguês (ao moralismo
chantagista, ao nacionalismo que empalidece de raiva
neurótica) canta-me o velho refrão
que aprendeu na sua rádio, com os seus reis –
outro, no meio dos seus trapos, ouve concordando,
enquanto, como um cachorrinho, se encosta a mim
não sentindo, naquele campo de fronteira,
no deserto jordano, no mundo,
mais que um mísero sentimento de amor.
poemas
trad. maria jorge vilar de figueiredo
assírio & alvim
2005