As minhas questões, lá no céu, parecem indiscretas,
E toda a gente aqui tem um ar tão apressado.
O meu lugar está reservado, na morte.
Cem mil pássaros voam em meu redor,
E fingem não me avistar.
Cem mil pássaros de cristal
Invisíveis aos olhos do Mal.
que me sinto mais à vontade;
os pássaros não têm começo nem fim.
Incessantemente pousam no que digo
E o que escrevem no céu
Deve ser lido ao contrário.
Os homens sacam ferros dos bolsos,
E prendem-nos pelos seus crimes impunes.
Na confluência do homem e da noite,
Três arames inimigos
Desenham no céu um triângulo,
Cujos três ângulos
Em conjunto valem dois ângulos rectos.
Trespassados pela bruma,
Permitem aos pássaros sem memória
Partilhar entre si a noite.
Mas lembro-me duma noite de tempestade
Em que não pude afogar-me no mar.
A minha mãe ensinou-me a pintar-me de azul,
Para escapar às flechas do caçador.
Sou o urso do céu,
Num mundo em que o metal não tem cor,
E a música é imóbil.
E conheço poucas coisas.
Conheço o cheiro da Terra
Como conheço a chuva do Céu,
Entre dois fumos.
E é por ela que agora sei,
Que fui um pássaro.
Para os muito jovens, apertado se usa,
Para os muito velhos, frouxo se usa,
Mas a juventude, para comprar cordas
Não tem dinheiro.
E a velhice já não tem pescoço.
sonhador definitivo e perpétua insónia
uma antologia de poemas
surrealistas escritos em língua francesa
trad. regina guimarães
contracapa
2021