02 novembro 2013
sylvia plath / ovelhas na névoa
21 agosto 2013
sylvia plath / as túlipas
10 janeiro 2013
sylvia plath / lorelei
09 novembro 2012
sylvia plath / medusa
30 março 2012
sylvia plath / três mulheres
05 janeiro 2012
sylvia plath / 39º de febre
15 setembro 2010
sylvia plath / medalhão
Junto ao portão com a estrela e a lua
trabalhadas em pau de laranjeira descascado
jazia ao sol a serpente de bronze
inerte como um cordão de sapatos, morta
mas ainda flexível, a mandíbula
sem articulação e um esgar retorcido,
a língua como uma seta cor-de-rosa.
Suspendi-a sobre a minha mão.
O seu pequeno olho escarlate
inflamado era uma chama vidrada
quando o voltei para a luz,
ao partir um dia uma pedra,
assim ardiam os pedaços de granada.
O pó dava ao seu dorso uma tonalidade ocre
do mesmo modo que uma truta exposta ao sol.
Mas o seu ventre conservava o fogo
que avançava sob a cota de malha,
e as velhas jóias, ali, ardiam lentamente
em cada escama opaca do ventre:
o pôr-do-sol visto através de um vidro leitoso.
E vi larvas brancas serpear,
finas como alfinetes na ferida negra
onde as suas vísceras inchavam como se
estivesse a digerir um rato.
Quase tão casta como uma faca,
puro metal de morte. O tijolo arremessado
pelo trabalhador completou o seu esgar.
sylvia plath
pela água
tradução de maria de lurdes guimarães
assírio & alvim
1990
18 abril 2009
sylvia plath / espelho
Sou prata e exacta. Não tenho ideias preconcebidas.
Tudo o que vejo aceito sem reservas
Tal como é, inturvado por aversão ou amor.
Não sou cruel, apenas verdadeira -
O olho de um pequeno deus, de quatro cantos.
A maior parte do tempo medito sobre a parede oposta.
É cor-de-rosa com manchas. Tenho-a olhado tanto
Que julgo ser parte do meu coração. Mas vacila.
Rostos e trevas separam-nos vezes sem conta.
Agora sou um lago. Uma mulher curva-se sobre mim,
Sondando o meu âmbito em busca do que ela é realmente.
Vira-se depois para as velas ou a lua, esses mentirosos.
Vejo-lhe as costas e reflicto-as fielmente.
Ela recompensa-me com lágrimas e um agitar de mãos.
Sou importante para ela. Ela vai e vem.
Todas as manhãs é o seu rosto que substitui as trevas.
Em mim ela afogou uma jovem e em mim uma velha
Ergue-se para ela dia após dia como um terrível peixe.
sylvia plath
leituras poemas do inglês
trad. joão ferreira duarte
relógio d´água
1993
05 novembro 2008
sylvia plath / colosso
Nunca conseguirei juntar-te todo,
compor-te, colar-te e unir-te devidamente.
Zurros de machos, grunhidos de porco e cacarejos
[obscenos
saem dos teus lábios.
É bem pior que num curral.
Talvez te consideres um oráculo,
porta-voz dos mortos, ou de um outro deus.
Há trinta anos que trabalho
para dragar o lodo da tua garganta.
Pouco mais sei!
Trepando pequenas escadas com frascos de cola e baldes
[de lisol
rastejo como uma formiga de luto
sobre as terras cobertas de erva da tua fonte
para reparar as imensas placas do teu crânio e limpar
os túmulos brancos, vazios dos teus olhos.
Um céu azul saído da Oresteia
arqueia-se sobre nós. Ó pai, tu só
és vigoroso e histórico como o Forum Romano.
Abro a minha merenda numa colina de ciprestes negros.
Os teus ossos estriados e os teus cabelos como o acanto
[estão espalhados
na sua velha anarquia até à linha do horizonte.
Seria preciso mais que o golpe de um relâmpago
para criar tal ruína.
De noite escondo-me na cornucópia
do teu ouvido esquerdo, abrigada do vento,
contando as estrelas, rubras ou cor-de-ameixa.
O sol ergue-se sob o pilar da tua língua,
as minhas horas casam-se com a sombra.
Já não escuto o raspar de uma quilha
nas brancas pedras do desembocadouro.
sylvia plath
pela água
tradução de maria de lurdes guimarães
assírio & alvim
1990
29 agosto 2007
lady lazarus
Voltei a fazê-lo.
Uma vez em cada dez anos
Lá consigo —
Uma espécie de milagre ambulante, a minha pele
Brilhante como a de um candeeiro nazi,
O meu pé direito
Um pisa-papéis,
O meu rosto vulgar, fino
E de judia cepa.
Apaga-me da toalha
Oh, inimigo meu.
Meto medo a alguém?
O nariz, as covas dos olhos, os dentes todos?
O hálito acre
Desaparecerá um dia.
Daqui a pouco, daqui a pouco a carne
Que a sepultura comeu ficará
À vontade comigo como se em sua casa.
Mas eu sou uma mulher optimista.
Só tenho trinta anos.
E como os gatos tenho sete vidas para viver.
Esta é a Número Três.
Que porcaria de vida
A aniquilar todos os dez anos.
Quantos milhões de filamentos.
Uma multidão a roer amendoins
Empurra-se para ver
Sôfregos a despirem-me
Que fantástico strip tease.
Meus senhores, minhas senhoras
Estas são as minhas mãos
Os meus joelhos.
Talvez eu seja apenas pele e osso,
Contudo, sou precisamente a mesma mulher.
A primeira vez foi aos dez anos.
Foi um acidente.
Da segunda vez eu quis mesmo
Ir até ao fim e nunca mais regressar.
Voltei fechada
Como uma concha.
Tiveram de me chamar e voltar a chamar
E arrancar de mim os vermes como se pérolas pegajosas.
Morrer
É uma arte, como outra coisa qualquer.
E eu executo-a excepcionalmente bem.
Executo-a de forma a parecer-se com o inferno.
Executo-a de forma a parecer real.
Acho que se podia dizer que tenho um dom.
É bastante fácil executá-la numa cela.
É bastante fácil executá-la e ficar como se nada fosse.
É cena de teatro
Regressar em pleno dia
Ao mesmo lugar, ao mesmo rosto, ao mesmo brutal
E divertido grito:
Um milagre!
Que me põe K.O.
Há que pagar.
Para ver as minhas cicatrizes, há que pagar
Para ouvir o meu coração —
É assim mesmo.
Há que pagar, e pagar bem.
Por uma palavra ou um toque
Ou uma gota de sangue
Ou por um bocado do meu cabelo ou da minha roupa.
Vá lá então, então, Herr Doktor.
Então, Herr Inimigo.
Sou o seu opus,
Sou a sua jóia de estimação,
Um bebé todo em ouro
Que se funde com um grito.
Volto-me e ardo.
Não pense que subestimo as suas grandes preocupações.
Cinza, cinza —
Mexe e atiça.
Carne, osso, nada mais ali existe —
Um pedaço de sabonete,
Uma aliança de casamento,
A coroa em ouro de um dente.
Herr Deus, Herr Lúcifer
Tende cuidado
Muito cuidado.
Renasço das cinzas
Com o meu cabelo fulvo
E devoro homens como faço ao ar.
sylvia plath
ariel
trad. maria
relógio d´água
1996
13 novembro 2006
um poema de: sylvia plath
Esta é a luz da razão, fria e planetária.
As árvores da razão são negras. A luz é azul.
As ervas descarregam as suas mágoas nos meus pés como se
[eu fosse Deus,
Picando os meus tornozelos e murmurando a sua humildade.
Esfumadas, inebriantes neblinas habitam este lugar
Separado da minha casa por uma fileira de lápides.
Só não consigo ver para onde se vai.
A lua não é nenhuma porta. É um rosto em seu pleno direito,
Branco como os nós dos dedos e terrivelmente transtornado.
Arrasta o mar atrás de si como um delito obscuro; silenciosa
Com a boca em O num esgar de total desespero. Vivo aqui.
Duas vezes aos domingos, os sinos assustam o céu -
Oito línguas enormes a afirmar a Ressurreição.
No final, fazem soar os seus nomes sobriamente.
O teixo aponta para o alto. Tem forma gótica.
Os olhos seguem-no e encontram a lua.
A lua é a minha mãe. Ela não é doce como Maria.
As suas roupas azuis libertam pequenos morcegos e corujas.
Como eu gostaria de acreditar na ternura -
O rosto da efígie, dulcificado pelas velas,
A desviar para mim, em particular, os seus olhos ternos.
Caí muito longe. As nuvens a florescer
Azuis e místicas sobre a face das estrelas.
Dentro da igreja, os santos vão ficar todos azuis,
A pairar com seus pés delicados sobre os bancos frios,
De mãos e rostos rígidos pela santidade.
A lua não vê nada disto. É calva e selvagem.
E a mensagem do teixo é a escuridão - escuridão e silêncio.
sylvia plath
ariel
trad. maria fernanda borges
relógio d´ água
1996