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02 novembro 2013

sylvia plath / ovelhas na névoa



As colinas penetram na brancura.
Homens ou estrelas
olham-me com tristeza, desiludo-os.

O comboio deixa um rastro do seu alento.
Oh vagaroso
cavalo da cor da ferrugem.

Cascos, dolorosos sinos...
Toda a manhã
a manhã obscureceu

uma flor abandonada.
Os meus ossos absorvem a quietude, longínquos
campos enternecem o meu coração.

Ameaçam
levar-me para um céu
sem estrelas e sem pai: uma água negra.


sylvia plath
pela água
tradução de maria de lurdes guimarães
assírio & alvim
1990




21 agosto 2013

sylvia plath / as túlipas




As túlipas são demasiado sensíveis; é inverno aqui.
Vê como tudo está branco, silencioso e calmo.
Deitada, isolada e calma vou apercebendo a quietude
enquanto a luz incide naquelas paredes brancas, nesta cama,
                                                                   [nestas mãos.
Não sou ninguém; nada tenho a ver com sobressaltos.
Entreguei o meu nome, as minhas roupas de sair às
                                                        [enfermeiras,
a minha história ao anestesista e o meu corpo aos
                                                        [cirurgiões.

Apoiaram-me a cabeça entre as almofadas e a dobra do lençol
como um olho entre duas pálpebras brancas que jamais
                                                               [se fecham.
Estúpida pupila, ela que tem de estar atenta tudo.
As enfermeiras vão e vêm, não perturbam,
passam com as suas toucas brancas como gaivotas voando
                                                                     [para terra,
com as mãos sempre ocupadas, todas idênticas,
sendo assim impossível dizer quantas são.

Para elas o meu corpo é um seixo, tratam-no como a água
trata os seixos sobre os quais corre, polindo-os suavemente.
Trazem-me o torpor nas suas agulhas reluzentes,
                                          [trazem-me o sono.
Neste momento perdi-me, estou cansada das minhas bagagens...
A minha maleta de couro como uma caixa de pílulas
                                                                [negra,
o marido e a filha sorrindo-me do retrato de família;
os seus sorrisos penetram-me na pele, como pequenos
                                                   [anzóis sorridentes.

Deixei a vida correr, um velho cargueiro com trinta anos
agarrando-se obstinadamente ao meu nome e endereço.
Limparam-me de todas as minhas associações afectivas.
Aterrada e nua sobre a maca acolchoada de plástico
                                                                 [verde
vi o meu serviço de chá, as minhas cómodas de roupa
                                            [branca, os meus livros
afundarem-se até os perder de vista, e a água cobriu-me
                                                                   [a cabeça.
Sou uma freira agora, nunca fui tão pura.

Não queria flores, apenas queria
estar prostrada com as palmas das mãos para cima e ficar
                                                                   [toda vazia.
Como me sinto livre sem que ninguém faça ideia da
                                                       [libertação...
A paz é tão intensa que nos entorpece
e nada exige em troca, uma etiqueta com o nome, algumas
                                                                  [bugigangas.
Aquilo a que finalmente os mortos se agarram; imagino-os
introduzindo-as na boca como se fossem hóstias.

Mais do que tudo o vermelho intenso das túlipas fere-me.
Mesmo através do papel de celofane as ouvia respirar
suavemente, por entre as suas faixas brancas, como um
                                                         [bebé medonho.
A minha ferida corresponde à sua cor rubra.
São subtis: parecem pairar, embora me esmaguem,
perturbando-me com as suas línguas súbitas e a sua cor,
uma dúzia de vermelhos pesos de chumbo em volta do
                                                             [meu corpo.

Nunca alguém me vigiara, vigiam-me agora.
As túlipas voltam-se para mim, assim como a janela
donde, uma vez por dia, a luz se espraia e esvai
                                                   [lentamente,
e vejo-me, estendida, ridícula, uma sombra de papel
                                                            [recortado
entre o olhar do sol e o olhar das túlipas,
e, sem rosto, quis apagar-me.
As túlipas plenas de vida comem-me o oxigénio.

Antes de elas virem todo o ar era calmo,
entrando e saindo, sopro a sopro, sem alvoroço.
Então as túlipas encheram-no com um forte ruído.
O ar agora embate nelas e redemoinha como um rio
embate e redemoinha num engenho imerso e vermelho de
                                                                    [ferrugem.
Chamam a minha atenção, que era feliz
quando se entretinha e descansava despreocupadamente.

Também as paredes parecem animar-se.
 As túlipas deviam estar atrás de grades como animais
                                                             [perigosos;
abrem-se como a boca de um felino africano,
e é ao meu coração que estou atenta: ele abre e fecha
o seu vaso de florescências vermelhas pelo puro amor que
                                                                      [me tem.
A água que saboreio é quente e salgada como o mar,
e vem de um país tão longínquo como a saúde.



sylvia plath
pela água
tradução de maria de lurdes guimarães
assírio & alvim
1990



10 janeiro 2013

sylvia plath / lorelei




Não existe nenhuma noite para nos afogarmos:
lua cheia, um rio correndo
negro sob um suave reflexo de espelho,

névoas azuis da água gotejando
de malha para malha como redes de pesca
embora os pescadores durmam,

torres sólidas do castelo
multiplicando-se num espelho
todo ele silêncio. Mas estas formas flutuam

em minha direcção, perturbando o rosto
da quietude. Do nadir
erguem os seus membros plenos

de opulência, cabelos mais pesados
que o mármore esculpido. Cantam
um mundo mais cheio e límpido

do que aquele que existe. Irmãs, a vossa canção
traz uma carga demasiado pesada
para ser escutada pelas espirais do ouvido,

aqui, num país onde um sensato
senhor governa equilibradamente.
Ao serem perturbadas pela harmonia

que existe além da ordem deste mundo,
as vossas vozes fazem um cerco. Estais alojadas
nos recifes em declive do pesadelo,

prometendo um abrigo certo;
de dia, estendem-se para além dos limites
da inércia, das saliências

que existem também nas altas janelas. Pior
ainda que esta canção de enlouquecer
é o vosso silêncio. Na origem

do apelo do vosso coração gelado
─ a embriaguez das grandes profundezas.
Ó rio, como vejo serem arrastadas

lá no fundo do teu curso de prata,
aquelas grandes deusas da paz.
Pedra, pedra, leva-me lá para baixo.




sylvia plath
pela água
tradução de maria de lurdes guimarães
assírio & alvim
1990




09 novembro 2012

sylvia plath / medusa





Longe nesta língua de terra de crateras pedregosas,
Olhos revolvidos por paus brancos,
Ouvidos que absorvem as incoerências do mar,
Albergas a tua cabeça sem vida ─ bola de Deus,
Lente de misericórdias,

Os teus parasitas
Fortalecem as suas células descontroladas à sombra da minha
     quilha,
Forçando-me como fazem os corações,
Estigma vermelho mesmo no centro,
Cavalgam na maré agitada até ao ponto mais próximo da partida,

Arrastando os seus cabelos de Jesus,
Será que escapei, pergunto-me.
O meu pensamento vai no vento ter contigo
Meu velho cordão umbilical cheio de lapas, cabo do Atlântico,
Que parece manter-se em miraculoso estado remendado.

Em qualquer caso está sempre lá,
A trémula respiração no fim da linha,
Curva de água crescendo
Diante da minha vara de água, deslumbrante e grata,
Tocando e sorvendo.

Não te chamei.
Não te chamei mesmo.
Todavia, todavia
Tu navegaste até mim por sobre o mar
Gorda e vermelha, placenta

Inibindo a excitação dos amantes.
Brilho de cobra de capelo
Retirando a respiração às campainhas do sangue
Da fúchsia. Eu não podia tomar alento,
Morta e sem dinheiro,

Demasiadamente exposta, como numa radiografia.
Quem pensas que és?
A hóstia da comunhão? A Maria chorona?
Não vou aceitar nenhum bocado do teu corpo,
Garrafa onde vivo,

Sinistro Vaticano.
Estou farta de sal quente.
Vedes como eunucos, os teus desejos
Silvam nos meus pecados.
Fora, fora, tentáculos de enguia!

Não há nada entre nós.
  


sylvia plath
ariel
trad. maria fernanda borges
relógio d´ água
1996


30 março 2012

sylvia plath / três mulheres





(…)

Quem é ele, este rapaz azul e furibundo,
Brilhante e estranho, como se tivesse sido arremessado de
     uma estrela?
Tem um ar tão zangado!
Voou pelo quarto adentro, com um berro no calcanhar.
O azul empalidece. Afinal é humano.
Um lotus escarlate abre-se na sua poça de sangue.
Estão a coser-me com seda, como se eu fosse um pedaço
     de pano.

O que fizeram os meus dedos antes de o erguer?
O que fez o meu coração ao seu amor?
Nunca vi nada tão claro
As suas pálpebras são como a flor de lilás
E suave como mariposa a sua respiração.
Não o abandonarei.
Não há ambição ou maldade nele. Que assim possa
     permanecer.

(…)





sylvia plath
três mulheres
poema a três vozes
trad. ana gabriela macedo
relógio d´água
2004


  

05 janeiro 2012

sylvia plath / 39º de febre






Pura? O que significa isso?
As línguas do inferno
São enfadonhas, enfadonhas como a língua

Tripla do enfadonho e gordo Cérbero
Que arqueja ao portão. Incapaz
De lamber como deve ser

O tendão febril, o pecado, o pecado.
O pavio chora.
O cheiro persistente

De uma vela que se apagou!
Amor, amor, os fumos evolam-se
De mim como os lenços de Isadora, estou com medo

Que um lenço se prenda à roda e fique lá agarrado.
Esses fumos amarelos e sombrios
Erguem o seu próprio elemento. Não vão elevar-se no ar,

Mas girar à volta do globo
A sufocar os  mais velhos e submissos,
O indefeso

Bebé de estufa no seu berço,
A pálida orquídea
Que suspende no ar o seu jardim suspenso,

Leopardo demoníaco!
A radiação tornou-a branca
E matou-a numa hora.

A engordar os corpos dos adúlteros
Como a cinza de Hiroshima e a corroer.
O pecado. O pecado.

Querido, toda a noite
Trémula neste apagar-acender, apagar-acender.
Os lençóis ficam mais pesados do que o beijo de um devasso.

Três dias. Três noites.
Água com limão, água
De galinha, a água dá-me vómitos.

Sou demasiado pura para ti ou para qualquer outro.
O teu corpo
Magoa-me como o mundo magoa Deus. Sou uma lanterna -

A minha cabeça uma lua
De papel japonês, a minha pele lustrada de ouro
Infinitamente delicada e infinitamente cara.

Será que o meu calor não te atordoa? Nem a minha luz?
A sós comigo sou uma camélia enorme
A brilhar e a ir e vir, a cada renascer.

Creio que vou subir,
Creio poder elevar-me -
As bolhas de metal quente voam, e eu, amor, eu

Uma virgem
De puro acetileno
Tratada por rosas,

Por beijos, por querubins,
Seja o que for que significam estas coisas cor-de-rosa.
Tu não, nem aquele

Nem esse, nem o outro
(Os meus egos dissolvendo-se, saiotes de puta velha) -
A caminho do Paraíso.




sylvia plath
ariel
trad. maria fernanda borges
relógio d´ água
1996




15 setembro 2010

sylvia plath / medalhão








Junto ao portão com a estrela e a lua
trabalhadas em pau de laranjeira descascado
jazia ao sol a serpente de bronze

inerte como um cordão de sapatos, morta
mas ainda flexível, a mandíbula
sem articulação e um esgar retorcido,

a língua como uma seta cor-de-rosa.
Suspendi-a sobre a minha mão.
O seu pequeno olho escarlate

inflamado era uma chama vidrada
quando o voltei para a luz,
ao partir um dia uma pedra,

assim ardiam os pedaços de granada.
O pó dava ao seu dorso uma tonalidade ocre
do mesmo modo que uma truta exposta ao sol.

Mas o seu ventre conservava o fogo
que avançava sob a cota de malha,
e as velhas jóias, ali, ardiam lentamente

em cada escama opaca do ventre:
o pôr-do-sol visto através de um vidro leitoso.
E vi larvas brancas serpear,

finas como alfinetes na ferida negra
onde as suas vísceras inchavam como se
estivesse a digerir um rato.

Quase tão casta como uma faca,
puro metal de morte. O tijolo arremessado
pelo trabalhador completou o seu esgar.






sylvia plath
pela água
tradução de maria de lurdes guimarães
assírio & alvim
1990





18 abril 2009

sylvia plath / espelho








Sou prata e exacta. Não tenho ideias preconcebidas.
Tudo o que vejo aceito sem reservas
Tal como é, inturvado por aversão ou amor.
Não sou cruel, apenas verdadeira -
O olho de um pequeno deus, de quatro cantos.
A maior parte do tempo medito sobre a parede oposta.
É cor-de-rosa com manchas. Tenho-a olhado tanto
Que julgo ser parte do meu coração. Mas vacila.
Rostos e trevas separam-nos vezes sem conta.

Agora sou um lago. Uma mulher curva-se sobre mim,
Sondando o meu âmbito em busca do que ela é realmente.
Vira-se depois para as velas ou a lua, esses mentirosos.
Vejo-lhe as costas e reflicto-as fielmente.
Ela recompensa-me com lágrimas e um agitar de mãos.
Sou importante para ela. Ela vai e vem.
Todas as manhãs é o seu rosto que substitui as trevas.
Em mim ela afogou uma jovem e em mim uma velha
Ergue-se para ela dia após dia como um terrível peixe.







sylvia plath
leituras poemas do inglês
trad. joão ferreira duarte
relógio d´água
1993






05 novembro 2008

sylvia plath / colosso








Nunca conseguirei juntar-te todo,
compor-te, colar-te e unir-te devidamente.
Zurros de machos, grunhidos de porco e cacarejos
[obscenos
saem dos teus lábios.
É bem pior que num curral.

Talvez te consideres um oráculo,
porta-voz dos mortos, ou de um outro deus.
Há trinta anos que trabalho
para dragar o lodo da tua garganta.
Pouco mais sei!

Trepando pequenas escadas com frascos de cola e baldes
[de lisol
rastejo como uma formiga de luto
sobre as terras cobertas de erva da tua fonte
para reparar as imensas placas do teu crânio e limpar
os túmulos brancos, vazios dos teus olhos.

Um céu azul saído da Oresteia
arqueia-se sobre nós. Ó pai, tu só
és vigoroso e histórico como o Forum Romano.
Abro a minha merenda numa colina de ciprestes negros.
Os teus ossos estriados e os teus cabelos como o acanto
[estão espalhados

na sua velha anarquia até à linha do horizonte.
Seria preciso mais que o golpe de um relâmpago
para criar tal ruína.
De noite escondo-me na cornucópia
do teu ouvido esquerdo, abrigada do vento,

contando as estrelas, rubras ou cor-de-ameixa.
O sol ergue-se sob o pilar da tua língua,
as minhas horas casam-se com a sombra.
Já não escuto o raspar de uma quilha
nas brancas pedras do desembocadouro.



sylvia plath
pela água
tradução de maria de lurdes guimarães
assírio & alvim
1990





29 agosto 2007

lady lazarus




Voltei a fazê-lo.
Uma vez em cada dez anos
Lá consigo —

Uma espécie de milagre ambulante, a minha pele
Brilhante como a de um candeeiro nazi,
O meu pé direito

Um pisa-papéis,
O meu rosto vulgar, fino
E de judia cepa.

Apaga-me da toalha
Oh, inimigo meu.
Meto medo a alguém?

O nariz, as covas dos olhos, os dentes todos?
O hálito acre
Desaparecerá um dia.

Daqui a pouco, daqui a pouco a carne
Que a sepultura comeu ficará
À vontade comigo como se em sua casa.

Mas eu sou uma mulher optimista.
Só tenho trinta anos.
E como os gatos tenho sete vidas para viver.

Esta é a Número Três.
Que porcaria de vida
A aniquilar todos os dez anos.

Quantos milhões de filamentos.
Uma multidão a roer amendoins
Empurra-se para ver

Sôfregos a despirem-me
Que fantástico strip tease.
Meus senhores, minhas senhoras

Estas são as minhas mãos
Os meus joelhos.
Talvez eu seja apenas pele e osso,

Contudo, sou precisamente a mesma mulher.
A primeira vez foi aos dez anos.
Foi um acidente.

Da segunda vez eu quis mesmo
Ir até ao fim e nunca mais regressar.
Voltei fechada

Como uma concha.
Tiveram de me chamar e voltar a chamar
E arrancar de mim os vermes como se pérolas pegajosas.

Morrer
É uma arte, como outra coisa qualquer.
E eu executo-a excepcionalmente bem.

Executo-a de forma a parecer-se com o inferno.
Executo-a de forma a parecer real.
Acho que se podia dizer que tenho um dom.

É bastante fácil executá-la numa cela.
É bastante fácil executá-la e ficar como se nada fosse.
É cena de teatro

Regressar em pleno dia
Ao mesmo lugar, ao mesmo rosto, ao mesmo brutal
E divertido grito:

Um milagre!
Que me põe K.O.
Há que pagar.

Para ver as minhas cicatrizes, há que pagar
Para ouvir o meu coração —
É assim mesmo.

Há que pagar, e pagar bem.
Por uma palavra ou um toque
Ou uma gota de sangue

Ou por um bocado do meu cabelo ou da minha roupa.
Vá lá então, então, Herr Doktor.
Então, Herr Inimigo.

Sou o seu opus,
Sou a sua jóia de estimação,
Um bebé todo em ouro

Que se funde com um grito.
Volto-me e ardo.
Não pense que subestimo as suas grandes preocupações.

Cinza, cinza —
Mexe e atiça.
Carne, osso, nada mais ali existe —

Um pedaço de sabonete,
Uma aliança de casamento,
A coroa em ouro de um dente.

Herr Deus, Herr Lúcifer
Tende cuidado
Muito cuidado.

Renasço das cinzas
Com o meu cabelo fulvo
E devoro homens como faço ao ar.






sylvia plath
ariel
trad. maria fernanda borges
relógio d´água
1996





13 novembro 2006

um poema de: sylvia plath

a lua e o teixo



Esta é a luz da razão, fria e planetária.
As árvores da razão são negras. A luz é azul.
As ervas descarregam as suas mágoas nos meus pés como se
[eu fosse Deus,
Picando os meus tornozelos e murmurando a sua humildade.
Esfumadas, inebriantes neblinas habitam este lugar
Separado da minha casa por uma fileira de lápides.
Só não consigo ver para onde se vai.

A lua não é nenhuma porta. É um rosto em seu pleno direito,
Branco como os nós dos dedos e terrivelmente transtornado.
Arrasta o mar atrás de si como um delito obscuro; silenciosa
Com a boca em O num esgar de total desespero. Vivo aqui.
Duas vezes aos domingos, os sinos assustam o céu -
Oito línguas enormes a afirmar a Ressurreição.
No final, fazem soar os seus nomes sobriamente.

O teixo aponta para o alto. Tem forma gótica.
Os olhos seguem-no e encontram a lua.
A lua é a minha mãe. Ela não é doce como Maria.
As suas roupas azuis libertam pequenos morcegos e corujas.
Como eu gostaria de acreditar na ternura -
O rosto da efígie, dulcificado pelas velas,
A desviar para mim, em particular, os seus olhos ternos.

Caí muito longe. As nuvens a florescer
Azuis e místicas sobre a face das estrelas.
Dentro da igreja, os santos vão ficar todos azuis,
A pairar com seus pés delicados sobre os bancos frios,
De mãos e rostos rígidos pela santidade.
A lua não vê nada disto. É calva e selvagem.
E a mensagem do teixo é a escuridão - escuridão e silêncio.





sylvia plath
ariel
trad. maria fernanda borges
relógio d´ água
1996