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03 julho 2024

pat boran / desde que te foste embora…




 
os dias aprenderam uma linguagem nova,
os anoiteceres falam em línguas –
 
as vozes da chuva na janela do quarto,
do vento a sussurrar na rua varrida pela chuva,
 
os canos de casa a barulharem,
torneira atrás de torneira.
 
A perda descobre novas canções
em instrumentos antigos.
 
 
 
pat boran
o sussurro da corda
trad. francisco josé craveiro de carvalho
edições eufeme
2018




 

22 setembro 2022

pat boran / poção

 
 
Verão. Tempo da minha mãe. Um lugar
onde tudo era possível – ficar a pé
até tarde, trocando o dar graças
após as refeições por gelado e uma chávena,
 
nunca um copo, daquele sumo especial
que ela fazia com açúcar, limões e
um pó cujo uso misterioso
não pode ter-se restringido ao nosso clã
 
embora nenhum dos amigos a quem perguntei
se lembre de ver a mãe naquela fila
na farmácia Hipwell onde a minha passava
meio dia aos sábados, a dizer “E como está?”
 
a cada pessoa que chegava. O que é estranho.
Pois ela juntava-o à água e fazia a água mudar.
 
 
 
pat boran
o sussurro da corda
trad. francisco josé craveiro de carvalho
edições eufeme
2018




23 novembro 2020

pat boran / a planta

 
 
 
Na praia em Malahide
o casal jovem num jogo estranho
com paus e fitas, andando para a frente e para trás,
para trás outra vez – sem bola à vista – está apenas
 
a planear a casa que tenciona construir,
as paredes e as entradas marcadas na areia húmida,
indo de quarto imaginado para quarto
sob o sol a pôr-se, a lua a nascer.
 
 
pat boran
o sussurro da corda
trad. francisco josé craveiro de carvalho
edições eufeme
2018





05 julho 2020

pat boran / canivete



A cheirar ainda a laranjas
depois de anos numa gaveta
entre botões, clipes,
envelopes e óculos velhos…

uma prenda tua:
destinado a cortar,
é a coisa que nos liga
de algum modo.


pat boran
o sussurro da corda
trad. francisco josé craveiro de carvalho
edições eufeme
2018









10 fevereiro 2020

pat boran / a bondade de um homem



A bondade de um homem vê-se
pelo que ele diz a um cão
quando tem de saltear da cama
a meio de uma noite de inverno
porque um maldito cão tem estado a ladrar

e vai, abre a porta
de camisola interior e boxers
e ali à frente no baldio cheio de buracos
a que chamam campo de jogos
dá com o rafeiro de pata

no ar na expectativa
e um ar que diz: Graças a Deus
por momentos pensei
que só eu estava acordado
nesta terra de merda.



pat boran
o sussurro da corda
trad. francisco josé craveiro de carvalho
edições eufeme
2018






15 abril 2019

pat boran / quando estiveres a mudar de casa



Quando estiveres a mudar de casa
leva tempo a escrever a direcção no caderno de endereços
porque os fantasmas cujos nomes lá estão
procuram constantemente novas casas,
como estudantes do primeiro ano em cabines telefónicas
                                                                               [embaciadas.

Quando chegares com os livros
e a frigideira já esses fantasmas se terão
sentado nessa poltrona, terão descoberto
rangidos muito demorados do soalho,
estarão acampados na orla idílica dessa cama virgem.



pat boran
o sussurro da corda
trad. francisco josé craveiro de carvalho
edições eufeme
2018






27 dezembro 2018

pat boran / mudança



                        em memória de Michael Hartnett



O calendário da secretária nas últimas folhas.
No abajur uma aranha minúscula tece
um manto de inverno.
O céu é uma única nuvem
mais carregada contudo para oeste.
O crânio de um ninho de andorinha
sorri na caleira.



pat boran
o sussurro da corda
trad. francisco josé craveiro de carvalho
edições eufeme
2018