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17 maio 2016

yannis ritsos / explicação necessária



Há certos versos - às vezes poemas inteiros -
que eu próprio não sei o que querem dizer. O que ignoro
retém-me ainda. E tu, tu tens razão em interrogar. Não interrogues.
Já te disse que não sei.
                                         Duas luzes paralelas
vindo do mesmo centro. O ruído da água
que cai, no inverno, da goteira a transbordar
ou o ruído de uma gota de água caindo
de uma rosa no jardim, regado há pouco,
devagar, devagarinho, uma tarde de primavera,
como o soluço de um pássaro. Não sei que quer dizer este ruído; contudo aceito-o.
As coisas que sei explico-tas,
sem negligência.
Mas as outras também acrescentam a nossa vida.
Eu olhava
o seu joelho dobrado, como ela dormia,
levantando o lençol -
não era apenas amor. Este ângulo
era o cume da ternura, e o cheiro
do lençol, a lavado e a primavera, completava
este inexplicável, que eu procurei,
em vão ainda, explicar-te.


yannis ritsos
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
trad. eugénio de andrade
assírio & alvim
2001




28 maio 2014

giánnis ritsos / a outra cidade


Há muitas solidões cruzadas - diz - em cima e em baixo
e outras no meio; diferentes e semelhantes, forçadas e
impostas
ou como que escolhidas, como que livres - mas sempre
cruzadas.
Mas no fundo, no centro, há apenas uma solidão - diz;
uma cidade vazia, quase esférica, sem quaisquer
anúncios luminosos multicores, sem lojas, sem motocicletas,
com uma luz branca, vazia, brumosa, interrompida
por centelhas de desconhecidos semáforos. Nesta cidade
habitam desde há anos os poetas. Caminham silenciosos de
braços cruzados,
recordam factos imprecisos, esquecidos, palavras,
paisagens,
estes consoladores do mundo, sempre inconsolados,
perseguidos
pelos cães, pelos homens, pelos vermes, pelos ratos, pelas
estrelas,
perseguidos até pelas suas próprias palavras, ditas ou não
ditas.



giánnis ritsos
antologia
tradução de custódio magueijo
fora do texto
1993


10 julho 2008

giánnis ritsos / testamento


Disse: creio na poesia, no amor, na morte,
e por isso mesmo creio na imortalidade. Escrevo um verso,
escrevo o mundo; existo; existe o mundo.
Da ponta do meu dedo mínimo corre um rio.
O céu é sete vezes azul. Esta pureza
é de novo a primeira verdade, a minha última vontade.



giánnis ritsos
antologia
tradução de custódio magueijo
fora do texto
1993