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23 dezembro 2016

gabriel celaya / aviso



A cidade é de borracha lisa e negra,
mas tem vielas com odor a estábulo,
a armazéns de cereais, a madeira molhada,
a selaria, a chicória, a esparto.

Há chilreios que mordem, ruídos inumanos,
há bruscas buzinadas que desincham
meu absurdo coração hipertrofiado.

Alugo-me por horas; rio e choro com todos;
mas escreveria um poema perfeito
se não fosse indecente fazê-lo nestes tempos.



gabriel celaya
antologia da poesia espanhola contemporânea
selecção e tradução de josé bento
assírio & alvim
1985



24 maio 2012

gabriel celaya / biografia





Não pegues na colher com a mão esquerda.
Não ponhas os cotovelos na mesa.
Dobra bem o guardanapo.
Isso, para começar.

Extraia a raiz quadrada de três mil trezentos e treze.
Onde fica o Tanganica? Em que ano nasceu Cervantes?
Dou-lhe um zero em comportamento se falar com o seu colega.
Isso, para continuar.

Parece-lhe decente que um engenheiro faça versos?
A cultura é um enfeite e o negócio é o negócio.
Se continuas com essa moça fechamos-te a porta.
Isso, para viver.

Não sejas tão louco. Sê educado. Sê correcto.
Não bebas. Não fumes. Não tussas. Não respires.
Aí, sim, não respirar! Dar o não a todos os nãos.
E descansar: morrer.





gabriel celaya
espanha (1911-1991)