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26 março 2020

filipe marinheiro / escuridões



sozinho, amplio desde início o medo dos erros e equívocos. desato
a alastrar os medos para outras moradas. no entanto, tento permear essas
vertigens, os amores e as nobres sensações espalhando-as nas folhas de
papel brancas como a tinta que vai escrever a um poema e cura a doença
e a vegetação dos textos.
deixo de ter medo preso ao corpo: vou-me curando.



filipe marinheiro
escuridões
âncora
2018









24 fevereiro 2018

filipe marinheiro / habito dentro da pele dum deserto….





habito dentro da pele dum deserto a prumo está um brilho fresco
de estalar a língua

os dedos sobem numa convulsão entrançada à poeira em erro

as pedras a salivarem contra a minha boca cantam
cantam as pedras em sofrimento casto e cantam
cantam como a escorregar garganta acima!

as dunas e cavernas deste deserto prendem-se no sol gestual
sol de ossos canibais:
– é um deserto que dança falésia abaixo
– é um deserto que molda as máscaras
– é um deserto que se estende para me devolver
todo o meu silêncio infinito

e toda a sua carne a parir numa desfeita noite aperta-me as mãos
que estão em choque no vento da cabeça

e a cabeça cai pela pele do deserto a cabeça quer regressar
às areias movediças ao mesmo tempo que se dobra nas horas
intermináveis ainda por estrangular todo o sangue

e a lisura do sangue transforma-se agora em cactos
– iluminando todo o lume noctívago



filipe marinheiro
noutros rostos
chiado editora
2014








03 setembro 2014

filipe marinheiro / é enquanto as estrelas…




é enquanto as estrelas tocam nas luzes abertas umas nas outras
que o meu corpo se afunda nas bagas de lume pendido
sobre a pele do mar

e cantassem as estrelas em uníssono em cima de um girassol
envelhecido pela poeira inflamável

eu esqueceria que tenho colinas de incêndios nas mãos
mãos que bailam ou cantam…




filipe marinheiro
noutros rostos
chiado editora
2014






20 fevereiro 2014

filipe marinheiro / sozinha confundes-te



Sozinha confundes-te
na crista do beco
realmente alucinante,
mas não mais te conhecerás,
sobretudo porque atrais o poder
de desgastar-te vagabunda
na dificuldade anormal da substância
que olha para ti
e traça-te uma vil voragem de plumas
tendo-se fragilizado no nevoeiro à
tua encoberta nascença!



filipe marinheiro
silêncios
chiado editora
2013



17 janeiro 2014

filipe marinheiro / sem título 7




Devorei pulsos em chamas.
Amplamente o rosto envolto por coágulos de sangue luzidio
a trespassarem as veias estanques como a enrolar
as cores existentes
por dentro.
Certo é percorrerem
todo esse ar
que engole o corpo celeste mergulhado
na textura do nosso corpo temporal.
Fico com as mãos
cheias de ossos trancados.
Levanto
a cauda de um espelho
e alongo as vísceras astronómicas,
com bastante força química,
a dilatar numa circulação sanguínea
até a leveza
da garganta se alagar
na sombra líquida
das artérias
contra o alto esquecimento das coisas profundas,
contra os tendões severos a racharem a boca desvairada.
Relembro quando adormecia
sobre todas as
coisas vivas ou mortas
por fora.
Submetia os lábios
a girarem a voz louca
ao lume pedestre
e ardia pelo estremecimento terrível
dos nervos cabeça adentro,
donde múltiplas
estrelas demoníacas
a baterem-se em mim longamente
param, a pouco e pouco, a potência que nunca me sorriu
e vago ou inocente deixo de caber
nos sítios superficiais
à minha volta.
Releio todas as cumplicidades translúcidas
a moverem toda a pele num feixe de pérolas
das salgadas mãos,
aos braços a escorrerem aquele alimento
metidos nas águas sentadas
no túmulo dessas estrelas tubulares.
A destreza deste poema extingue-se quando as unhas
tocarem na carne abaixo, rompendo,
com sinceridade,
a desvastação simbólica
da escrita furibunda
ou silêncio furibundo
a pesar com delicada melancolia.
Ouço o rasgão
do corpo a sangrar
com os tecidos dos versos
a palpitarem porque se nomeiam
e se escrevem dentro
da pulsação ininteligível.
Por cima,
devoro os pulsos em chamas.

  


silêncios
chiado editora
2013