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09 março 2024

eva ruivo / que tradição a vossa

 
                                                                 
 
Que tradição a vossa! Maltratar espanholas.
o calor e o frio da minha época
jamais me hão-de largar: uma coisa é
foder, outra sofrer influências
na pele, ter exércitos de terracota fundo… «Bem
que vinham de mal comer,
que não tinham aonde ir dançar…» Não
interrompa! Ninguém
que da morte saiba o sabor que ela tem,
tão sem razão, lhe suportará os versos.
 
Uma dinastia inteira de ossos e solidão,
raparigas do campo quem voz rezará o terço
quando um homem escreve asneiras,
mimos a raparigas levantadas ou não?
 
 
eva ruivo
hífen 10 maio 1997
cadernos semestrais de poesia
anos noventa (alguns poetas)
1997




07 junho 2022

eva ruivo / um recado por baixo da porta

 
 
 
                                                                  «We are the stuff
                                                 As dreams are made of, and our little life
                                                  Is rounded with a sleep».
 
                                                                    Shakespeare, The Tempest
 
 

Parece que estou metida num vídeo
pornográfico, as ramagens batidas pelo suor e o rumor
de vozes agrícola, regos abertos a cruzar as únicas
sílabas que a colheita, mãos de cortiça, deixou
varejadas. Dói: o sol nos muros, corpo inculto
versado na dor. Depois, certos dias obrigados
a festa, colchas no parapeito, jarras cheias
de calendário para encobrir o remorso;
a vida na província
são obscenas imagens de fuga.
 
Acordei, tinham passado por cima de mim
aldeias inteiras, vivalma, sequer um alguidar
com água para a mula, pele e osso, ou música
o acordeão a insuflar a tenda.

 
 
eva ruivo
hífen 10 maio 1997
cadernos semestrais de poesia
anos noventa (alguns poetas)
1997