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04 fevereiro 2007

book zapping #008 inferno



V

SYLVA SYLVARUM




Atingido meio caminho na minha vida, sento-me a descansar e a reflectir. Alcancei tudo o que audaciosamente desejei e sonhei. Carregado de vergonha e honra, alegrias e sofrimento, pergunto: E depois?
Tudo se vai repetindo numa desesperante monotonia, tudo é idêntico. Disseram os Antigos que o Universo já não possui segredos, encontrámos a palavra de todos os enigmas, resolvemos todos os problemas. Com um espectroscópio vimos que o Sol tem falta de oxigénio, não impedindo que arda tão bem como o antimónio no cloro ou o cobre no enxofre.
Desenhámos os canais de Marte que tão desagradavelmente recordam os desenhos de Widmannestetten nos meteoritos e, no entanto, só há bem pouco tempo sabemos ao certo como é o aspecto interior de África e nada conhecemos de Bornéu ou dos oceanos polares.
Uma geração que devia ter tido a coragem de suprimir Deus, demolir o Estado, a Igreja, a sociedade e os costumes, ainda se vergou à ciência em que devia reinar a liberdade mas cuja palavra de ordem foi acreditar na autoridade ou morrer! Ainda não foi erigida qualquer coluna da Bastilha no local de uma antiga Sorbonne. A cruz ainda domina o Panteão e a cúpula o Instituto.
Não há nada a fazer neste mundo. Sinto-me inútil e resolvido a desaparecer.
Já a lâmpada de espírito-de-vinho está acesa debaixo da retorta, já amarelo como ouro está o ferrocianeto de potássio que cheira como o cardo-leiteiro quando quente, destilado do sangue e do ferro, prestes a receber o ácido sulfúrico que oferece a morte quando concentrado e cria a vida por fermentação quando diluído. Desta vez será concentrado para provocar a morte. - Que diferença, afinal? E que soberba contradição!
O cianogénio, o gerador de azul nascido do sal amarelo, começa a desenvolver-se na mais inocente de todas as combinações que o carvão puro faz com o indiferente azoto, uma terrível aliança que não tem igual e forçou a ciência a confessar ignorância perante a natureza deste milagre.
Os vapores saem do recipiente e atingem-me a garganta como a difteria ou os venenos de cadáver não oxigenados. Os músculos do braço começam a paralisar-se e sinto dores agudas na espinal-medula.
Interrompo a operação quando o cheiro a amêndoas amargas se liberta. Sem saber porquê, parece-me que vejo uma amendoeira em flor numa álea de jardim e oiço uma voz de mulher velha que diz ó criança, não acredites nisso!
Não voltei a acreditar, portanto, que o segredo do Universo esteja desvendado e saí, umas vezes só, outras acompanhado, para reflectir na grande desordem onde acabei por descobrir urna coerência infinita.
Este é o livro da grande desordem e coerência infinita.
Eis o meu Universo, como o criei e a mim se revelou:
Se quiseres seguir-me, peregrino, transeunte, começarás a respirar mais livremente. Porque no meu Universo reina a desordem e na desordem é que existe a liberdade.







august strindberg
inferno
trad. aníbal fernandes
& etc
1978




22 dezembro 2006

book zapping #007 história da vida privada



As festas anuais


O ano é marcado, por um lado, pela vilegiatura de Verão, e por outro pelas festas da Igreja. A vilegiatura aristocrática generaliza-se na classe burguesa como férias de Verão. Assiste-se ao nascimento da ideologia do repouso e do lazer e a vida escolar vai ter que se adaptar a ela, prolongando as férias.
Seja-se ou não crente, vá-se ou não à igreja, é do calendário cristão que se depende. O ano desenrola-se segundo as festas litúrgicas, do Natal ao Dia de Todos-os-Santos, do nascimento de Cristo ao dos fiéis defuntos. Estas festas litúrgicas, que são passagens obrigatórias do ano, tomam-se mais ou menos ocasião para as festas familiares. A forma mantém-se a mesma, mas ganha outro sentido. O Natal, por exemplo, será dissociado do nascimento de Jesus em Belém, para se tornar cada vez mais a festa das crianças. Assim, a família investe nas festas cristãs para se auto-celebrar.





Pinheiro de Natal

O pinheiro de Natal vem dos países escandinavos. Os suecos trouxeram-no durante a guerra dos Trinta Anos (primeira metade do século XVII) para a Alemanha, onde só se popularizou no início do século XIX. Ainda em 1795, Goethe, que se encontra em Leipzig em casa de um amigo, se espanta por ver na casa uma árvore de Natal (no entanto, o hábito de montar nas casas um pinheiro de Natal é atestado pelos usos da cidade de Estrasburgo em 1605...).
Em 1840 o costume alemão é introduzido simultaneamente em Inglaterra e em França. Em Inglaterra pelo príncipe Alberto, marido da rainha Vitória. Em Paris pela princesa Helena de Mecklemburgo, duquesa de Orleães, e por famílias protestantes da Alsácia e da Alemanha. Sob o Segundo Império, favorecida pela imperatriz Eugénia, a tradição do pinheiro de Natal instala-se. Os alsacianos e lorenos que emigram após a derrota de 1870 contribuem para a difundir. Para Littré e Larousse, a «Árvore de Natal» não passa de um «grande ramo» de pinheiro ou de azevinho, enfeitado e guarnecido com rebuçados e brinquedos destinados às crianças.
No final do século o costume parece ter sido realmente «nacionalizado»: todos os anos se mandam aos missionários da Gronelândia, assim como aos colonos de África, árvores de Natal completamente enfeitadas! Nas famílias são quase iguais às que conhecemos.





O presépio

Em 1863 Littré não fala de presépio, nem nas igrejas nem nas casas. Larousse, alguns anos mais tarde, só nas igrejas os menciona, vivos e falantes, e isto para criticar longamente os presépios provençais. São irreverentes, diz ele, já que misturam sagrado e profano e fazem rir os fiéis. Apesar disso há um progresso: o anjo tenta falar em francês e já não em dialecto. É altura de acabar com as velhas tradições...
No entanto, os presépios instalados nas casas católicas durante o Natal deviam ser numerosos, a acreditar em Monsenhor Chabot, em 1906. Vendem-se efectivamente mais de trinta mil por ano, preços entre 20 e 3.000 francos. O presépio comporta sete ou oito personagens de base.
Os presépios marselheses, com os seus santões de argila de origem italiana, têm direito a um desenvolvimento particular. Isto porquanto, além das personagens sagradas tradicionais, lhes juntam personagens profanas, como o amolador, o tamborileiro, o moleiro, o aprendiz de padeiro, etc.. A modernidade introduz-se neles sob a forma de casas de quatro ou cinco andares, que se iluminam à noite com uma vela, e de locomotivas a vapor...





O exemplo alemão

Antes de o pinheiro de Natal ter sido importado para França, corria um discurso sobre este costume alemão. Fala-se, curiosamente, com um tom de pena, como se o pinheiro tivesse sido uma tradição francesa caída em desuso. La Gazette des ménages lamenta, a 23 de Dezembro de 1830, que em França, e sobretudo em Paris, «a geração actual conserve pouco apego pelos velhos usos», ao contrário da Alemanha, modelo das tradições domésticas.
Em Dezembro de 1849 Le Journal des jeunes filies evoca os costumes alemães com a mesma emoção, lamentando que os franceses não saibam explorar a atmosfera mágica: na Alemanha as consoadas «descem do céu», trazidas pelo Menino Jesus ou pelo «Cristo Filho». A França deveria seguir o modelo alemão e fazer das festas de fim de ano a oportunidade de reunir as gerações à volta do lar especialmente em casa dos avós.
Os discursos de 1830 e 1849 são idênticos. A propósito das festas do final do ano glorificam a vida privada. Logo a seguir a duas revoluções, opõe-se a instabilidade da coisa pública à estabilidade da vida familiar: «As alegrias da família, conclui o jornalista em 1849, são o único lugar e a única felicidade que as revoluções não poderão nunca roubar-nos».





A tranquilidade das festas em família

Em 1866 Gustave Droz consagra um capítulo de Monsieur, Madame et Bébé ao Dia de Ano Novo em família. Nessa manhã são sete horas quando Bébé arranha a porta dos pais para lhes desejar «bom ano». O pai chama-o para o leito conjugal, a criada vem acender
o fogo, e nesta doce atmosfera chega o momento das prendas. E Gustave Droz reivindica, glorifica esta felicidade conjugal como o que há de mais precioso. Todo o dia é marcado por encantadores quadros de família.

O primeiro dia do ano é assim um concentrado de todos os prazeres familiares, onde a família se retempera antes de começar o novo ano. Em 1866 não há já necessidade de utilizar a referência alemã. Droz faz a sua descrição como uma situação de facto. Há que pensar que quanto mais se avança no século XIX mais a certeza de que o lar traz uma felicidade preciosa e insubstituível se encontra ancorada nos espíritos. As crianças tomam-se os actores principais da festa.


Réveillon e consoada

O Réveilion é «uma refeição extraordinária que se faz a meio da noite. Particularmente a que se faz na noite de Natal» (Littré, 1869). O verbo réveillonner não existe. Da noite de São Silvestre não se fala. Não encontrei alusão alguma a festas ou refeições familiares na noite de 31 de Dezembro. Flaubert, na sua Correspondance, lembra--se de ter esperado uma vez a meia-noite a fumar, e uma outra a pensar na China.
Nas famílias católicas vai-se à missa da meia-noite, e no regresso ceia-se. Como é hábito dispensar os criados na noite de Natal, a refeição é reduzida. Comporta dois pratos tradicionais, a sopa-creme com baunilha, comida com filhós, e a morcela grelhada, e pratos trios, como peru trufado ou, para a sobremesa, confeitos e pastéis com açúcar cristalizado.



Para o Natal fabricavam-se bolos de todos os géneros, conforme as províncias, filhós, bolachas, tortas, mas não há vestígios do tronco de Natal que conhecemos. No século XIX, o tronco de Natal não passa de um grande pedaço de lenha que se põe no fogo na noite de 24 de Dezembro, para que se mantenha aceso toda a noite, vestígio de uma velha tradição do campo, onde se ficava acordado toda a noite de Natal para se assistir à missa da aurora.
De origem católica, o réveilion generaliza-se como festa profana na segunda metade do século, de tal forma que em 1908 os Usages du siécle podem afirmar: «Toda a gente festeja o réveilion». Os crentes festejam após a missa da meia-noite, os profanos, esses habituaram-se a ir ao teatro e a festejar em seguida. Já não há necessidade de um pretexto religioso para celebrar o Natal. A reunião familiar ou de amigos toma-se a única razão de ser da festa. Manteve-se na ementa da ceia de réveilion o peru e a morcela grelhada, mas a sopa-creme foi substituída por um caldo quente. Uma moda nos chega de Inglaterra: o pudding, símbolo do Christmas. Certas revistas dão a receita, caso da Fémina, a 1 de Janeiro de 1903 (outro uso inglês que tenta passar para os nossos costumes: o do abraço sob o visco; Fémina ilustra-o com uma fotografia, a 15 de Dezembro de 1903).
As consoadas, em princípio, são prendas que se dão no primeiro dia de Janeiro, segundo uma antiga tradição. Tomam a forma de gratificações obrigatórias aos criados, ao porteiro, ao carteiro... que transformam o primeiro dia do ano num dia de corveia ruinosa. Os jornais divertem-se com isso. Em Janeiro de 1830 La Mode publica um provérbio (peça em um acto) intitulado: «O dia de Ano Bom, ou as prendinhas mantêm a amizade». Põe em cena um homem perseguido por todos aqueles — do criado de quarto à esposa — que esperam as suas consoadas.
Mas, e de forma mais lata, as consoadas designam as prendas que se oferecem durante todo o período das festas de fim de ano. Alguns, como Madame de Grandmaison em 1892, tentam definir uma repartição: no Natal, prendas para as crianças; no primeiro dia do ano, consoadas para os adultos. Na realidade a distinção é difícil, porque por vezes se dão também prendas aos adultos por ocasião do Natal e às crianças igualmente no Ano Novo. Todas acabam por se chamar, indistintamente, «consoadas».


Sapatinho de Natal e prendas

Na noite de Natal as crianças colocam os seus sapatos diante da chaminé, esperando encontrá-los cheios na manhã do dia seguinte. Pelo Menino Jesus? Pelo Pai Natal? Parece que as duas personagens coexistiram, dando depois o segundo, a pouco e pouco, lugar ao primeiro.
O dicionário Robert de nomes próprios diz que o Pai Natal apareceu na Europa na segunda metade do século XIX. Teria vindo da América e seria uma criação de origem comercial. Que o comércio contribuiu para o sucesso da personagem não há a mínima dúvida, mas não a inventou. Seria necessário pensar antes em São Nicolau (santa Claus), que se festeja a 6 de Dezembro e que, nos países nórdicos, traz prendas às crianças bem comportadas — enquanto o seu associado, o padre Fouettard, deixa vergastas para os desobedientes. É provável que esta personagem tenha sido importada por imigrantes escandinavos e alemães para os Estados Unidos, aí se «comercializando».
Assim sendo, mesmo se no início do século não tinha a estatura que mais tarde adquiriu, o Pai Natal, tal como o conhecemos, estava já bem implantado em Paris: na Histoire de ma vie George Sand conta os natais da sua primeira infância (tinha seis anos em 1810): «O que não esqueci foi a crença absoluta que eu tinha na descida pelo tubo da chaminé do pequeno Pai Natal, bom velhinho de barba branca, que, à meia-noite, vinha pôr no meu sapatinho uma prenda que eu aí encontraria ao acordar. Meia-noite! Essa hora fantástica que as crianças não conhecem, e que lhes é mostrada como o termo impossível da sua vigília! Que esforços incríveis eu fazia para não adormecer antes da chegada do velhinho! Tinha ao mesmo tempo uma grande vontade e um grande medo de o ver: mas nunca conseguia manter--me acordada até lá, e no dia seguinte o meu primeiro olhar era para o meu sapato, junto à lareira. Que emoção me causava o embrulho de papel branco, porque o Pai Natal era extremamente limpo e nunca deixava de empacotar cuidadosamente a sua oferta. Eu corria, descalça, para me apoderar do meu tesouro. Nunca era uma dádiva verdadeiramente magnífica, porque não éramos ricos. Era um bolinho, uma laranja, ou, muito simplesmente, uma bela maçã vermelha. Mas parecia-me tão precioso que mal ousava comê-lo [...]».

O Pai Natal nada tem a ver com o nascimento de Cristo, e a Igreja Católica opôs-se durante muito tempo a esta personagem. Entre os crentes era o Menino Jesus quem trazia as prendas às crianças na noite de Natal. Segundo Francisque Sarcey (Annales de 22 de Dezembro de 1889), as crianças «vêem-no atravessar o ar, comprimindo no peito mãos cheias de bolos e de brinquedos: sentem-no acima deles, muito bom e muito justo; e dizem que com Ele é preciso portar-se bem, senão... os sapatos ficarão vazios». Mas esta imagem não se impôs realmente, e a Igreja, que não conseguia impedir a progressão do Pai Natal de manto vermelho, barba branca e grande saco, recuperou-o, fazendo dele o fiel mensageiro do Menino Jesus e o fundador de uma moral simples da retribuição.
No mês de Dezembro, os jornais abrem tradicionalmente uma rubrica para as consoadas. Sugerem aos leitores ideias para prendas, muitas das quais são especificamente femininas: canapés, «ouvragères» (pequenos móveis contendo o necessário para a costura), «esses pequenos nadas de toucador», papéis de carta de cor, perfumados e encerados, cartões de visita com ornamentos de fantasia. Fala-se, a propósito de tal ou tal objecto, de «bonita prenda para oferecer a uma mulher»; nunca tal se dirá de um objecto destinado a um homem. A categoria das prendas tipicamente masculinas não existe no século XIX. Quando muito, são citados, aqui e ali, objectos necessários «para Homens e para Senhoras». O que não significa que os homens não recebessem prendas, mas não se falava nisso.
Para as crianças, em 1836, a prenda mais requintada é um teatrinho: «Um espectáculo asiático que representa uma dança de corda simulada por pequenas personagens de papel que se fazem mover sem ajuda aparente». Outros brinquedos são propostos porque procuram reproduzir a realidade: o moinho com água verdadeira, os pássaros que cantam, as bonecas «casadoiras» dotadas de enxovais completos. Durante muito tempo as bonecas mantêm-se um valor certo. Os ursos de peluche aparecem no início do século XX. Teddy, o urso americano, data de 1903; Martin, o urso francês, de 1906.
Segundo o Larousse du XIX’ siêcle, se as prendas destinadas às crianças seguem os caprichos da moda, a tendência recente é cultural: «Os livros belos e bons tendem progressivamente a substituir as caras inutilidades, nesta solenidade do primeiro de Janeiro». Há que ter em conta o entusiasmo do dicionário pela pedagogia e pelo progresso, mas é verdade que, de uma ponta do século à outra, os jornais aconselham a oferta de livros e fornecem bibliografias (ver, por exemplo, La Mêre de familie, em Dezembro de 1834, e, em Dezembro de 1880, La Femnie et la Farnille, journal des jeunes personnes).
As meninas que mantêm um diário anotam as prendas que receberam ou recebem dos seus próximos. As prendas que os pais dão às crianças por ocasião das festas de fim do ano não são apenas uma fonte de prazer imediato, são também um investimento no futuro: as crianças lembrar-se-ão, terão capitalizado prazeres e guardá-los-ão na sua memória. Assim se fabrica a nostalgia dos adultos, que, por sua vez, a transmitirão aos seus filhos.


Votos e visitas de Ano Novo

Como troca das consoadas que recebem os filhos por ocasião do Ano Novo apresentam votos aos pais. Escreve Ehsabeth Arnghi a 29 de Dezembro de 1877: «Também nós fazemos consoadas para o papá, Pierre, Amélie e eu aprendemos juntos Le Petit Savoyard, e escrevemo-lo numa bela folha; depois aprendi um fragmento a duas mãos, e um outro a quatro mãos, que vou tocar com a mamã; Amélie aprendeu um fragmento a quatro mãos que vai tocar comigo».
No primeiro dia do ano devem apresentar-se os votos aos parentes próximos: pai, mãe, tios e tias, irmãos e irmãs. A véspera é reservada aos avós e aos superiores. Os oito dias seguintes são para os primos e outras pessoas aparentadas, a quinzena para os íntimos, o mês inteiro para os simples conhecimentos. Eis o que representa um número considerável de visitas a fazer e de cartões de votos a escrever.
É por isso, para evitar deslocar-se demasiado, que as pessoas se contentam muitas vezes em mandar, quer por um criado, quer pelos serviços de uma empresa que é paga para tal, entregar um cartão a casa das pessoas a quem se apresentam votos. Le Figaro de 24 de Dezembro de 1854 sublinha o paradoxo deste costume parisiense. As pessoas que recebem estes cartões afectam desprezar «esta atenção a trezentos francos a centena». Mas se alguém se dispensa de o fazer eles mesmos dirão: «Fulano não sabe viver: nem sequer me mandou um cartão no dia de Ano Novo!».











“Os ritos da vida privada burguesa”
por Anne Martin-Fugier
História da vida privada
Sob a direcção de Philippe Ariès e George Duby
Vol. 4 “Da Revolução à Grande Guerra”
Edições Afrontamento
1990






05 abril 2006

book zapping #006 roland barthes


O ROSTO DE GARBO

Garbo pertence ainda a essa fase do cinema em que a percepção do rosto humano lançava a maior perturbação no meio das multidões, em que as pessoas se sentiam literalmente perdidas numa imagem humana como num filtro, em que o rosto constituía uma espécie de estado absoluto da carne, que não podia ser atingido nem abandonado. Alguns anos antes, o rosto de Valentino provoca suicídios; o de Garbo participa ainda do mesmo reinado do amor cortês, em que a carne gera sentimentos místicos de perdição.
Trata-se, indubitavelmente, de um admirável rosto-objecto; na Rainha Cristina, filme que foi reposto em Paris nos últimos anos, a caracterização tem a espessura de uma camada de neve, como se fosse uma máscara; não é um rosto pintado, é um rosto de gesso, defendido pela superfície da cor e não pelas suas linhas; por sobre toda esta neve ao mesmo tempo frágil e compacta, só os olhos, negros como uma polpa bizarra, mas de maneira nenhuma expressivos, são como duas nódoas um pouco trémulas. Mesmo em toda a sua extrema beleza, esta face, que não é desenhada, mas antes esculpida numa matéria lisa e esfarelável, o que quer dizer que é simultaneamente perfeita e efémera, aproxima-se da face enfarinhada de Charlot, dos seus olhos de vegetal sombrio, do seu rosto de tóteme.
Ora, a tentação da máscara total (a máscara antiga, por exemplo) implica talvez não tanto o tema do oculto (caso das mascarilhas italianas) como o de um arquétipo do rosto humano. Garbo dava a ver uma espécie de ideia platónica da criatura, e é isso que explica que o seu rosto seja quase assexuado, sem todavia ser ambíguo. Ë verdade que o filme se presta a essa indeterminação (a rainha é sucessivamente uma mulher e um jovem cavaleiro); mas a Garbo não realiza nenhuma proeza de disfarce; ela é sempre igual a si mesma, ostentando sem fingimento, debaixo da coroa ou dos seus grandes chapéus de feltro de abas caídas, o mesmo rosto de neve e de solidão. O seu apelido de Divina visava, sem dúvida, menos a expressão de um estado superlativo da beleza do que a essência dia sua pessoa corpórea, caída de um céu em que as coisas são criadas e acabadas na maior das claridades. Ela própria tinha consciência disso: quantas actrizes consentiram em deixar entrever à multidão o amadurecimento inquietante da sua beleza! Ela, não: era preciso que a sua essência se não degradasse, que o seu rosto não conhecesse nunca outra realidade além da perfeição intelectual, mais ainda do que plástica. A Essência foi-se obscurecendo pouco a pouco, progressivamente recoberta pelo véu dos óculos, dos chapéus e dos exílios; mas não se alterou nunca.
E, contudo, sobre este rosto divinizado, algo de mais agudo do que uma máscara se desenha: uma espécie de relação voluntária, e portanto humana, entre a curva das narinas e a arcada das sobrancelhas, uma função pouco vulgar, individual, entre essas duas zonas da face; a máscara não é senão a adição das linhas, o rosto é antes de mais uma referência temática de umas às outras. O rosto da Garbo representa esse momento frágil em que o cinema vai extrair de uma beleza essencial uma beleza existencial, em que o arquétipo vai ser inflectido para a fascinação dos rostos transitórios, em que a claridade das essências carnais vai dar lugar a uma lírica da mulher.
Enquanto momento de transição, o rosto da Garbo concilia duas idades iconográficas, assegura a passagem do terror ao encanto. Como se sabe, encontramo-nos hoje no outro pólo desta evolução: o rosto de Audrey Hepburn, por exemplo, é individualizado, não só pela sua temática particular (a mulher infantil, a mulher felina), mas também pela sua própria pessoa, por uma especificação quase única do rosto, que nada mais tem de essencial, mas é constituído por uma complexidade infinita de funções morfológicas. Como linguagem, a singularidade da Garbo era de natureza conceptual, a de Audrey Hepburn de natureza substancial, O rosto da Garbo é a incarnação da Ideia, o de Hepburn a do Acontecimento.



Mitologias
Roland Barthes
Edições 70
1988

28 fevereiro 2005

book zapping #005 maria gabriela Llansol

o raio sobre o lápis




V

a conclusão de que não há abismo, e que a infância não
pára de desenvolver-se e crescer,
é um novo princípio de realidade, de morte, de velhice:
eu não deixo de viver no mundo interior e exterior das
metamorfoses flutuantes; é já dia, mas a noite que con-
duz a esperança no pensamento, e sobre si própria, não
acabou.
Não acabou definitivamente;
onde estará, protegendo-se da luz, o sapo que brilha?
Eu tenho a intuição, Aramis, de que os monstros
são as tentativas mais puras do Universo.
«Olha-os, e não os mates.»




O Raio Sobre o Lápis
de Maria Gabriela Llansol
desenhos de Julião Sarmento
Assírio & Alvim
Novembro de 2004

18 janeiro 2005

book zapping #004 henri michaux


(...)

Mais tarde, procurados em todos os pon-
tos do Império do Meio, os caracteres de
outrora, cuidadosamente reunidos, recopia-
dos, foram interpretados pelos letrados.
Surgia um inventário, um dicionário dos si-
nais de origem.

Recuperados!
e recuperava-se ao mesmo tempo a emoção
das calmas e serenas e ternas primeiras cali-
grafias.

Os caracteres ressuscitados na sua inten-
ção primeira reviviam.


A essa luz qualquer página escrita, qual-
quer superfície coberta de caracteres, torna-
-se fervilhante e transbordante... cheia de
coisas, de vidas, de tudo o que há no mun-
do... no mundo da China


cheia de luas, cheia de corações, cheia de
portas
cheia de homens que se inclinam
que se retiram, que se querem mal, que fazem
a paz
cheia de obstáculos
cheia de mãos direitas, de mãos esquerdas
de mãos que se apertam, que se respondem,
que se ligam para sempre
cheia de mãos frente a frente,
de mãos na defensiva, de mãos ocupadas
cheia de manhãs
cheia de portas
cheia de água caindo gota a gota das nuvens
cheia de barcas que atravessam de uma mar-
gem à outra
cheia de aterros
cheia de forjas
e d’arcos e de fugitivos
e cheia de calamidades
e cheia de ladrões levando debaixo do braço
os objectos roubados
e cheia de cobiças
e cheia de nuvens
e cheia também de palavras sinceras
e cheia de reuniões
e cheia de crianças que nascem penteadas
e cheia de buracos na terra
e de umbigos no corpo
e cheia de crâneos
e cheia de fossas
e cheia de aves migratórias,
e cheia de recém-nascidos — quantos re-
cém-nascidos! —
e cheia de metais nas profundezas do solo
e cheia de terras virgens
e de vapores que sobem dos prados e dos
pântanos
e cheia de dragões
cheia de demónios que vagueiam pelos
campos
e cheia de tudo o que existe no universo
tal qual ou disposto de outra maneira
escolhido de propósito pelo inventor de si-
nais para estar junto
cenas para fazer pensar
cenas de toda a espécie
cenas para oferecer um sentido, para ofere-
cer vários,
para propô-los ao espírito
para deixá-los emanar
grupos para resultar em ideias
ou para se resolver em poesia.



Ideogramas na China
Henri Michaux
Trad. Ernesto Sampaio
Cotovia / Fundação Oriente
1999

31 outubro 2004

book zapping #003 henry miller


O Tempo dos Assassinos
Um estudo sobre Rimbaud



“Diz-se que Rimbaud, no tempo em que escrevia o seu “livro negro” (Une Saison en Enfer), terá afirmado: “O meu destino depende deste livro!” Nem o próprio Rimbaud sabia como era profundamente verdadeira essa afirmação. À medida que começamos a compreender o nosso próprio destino trágico, começamos também a perceber o que ele queria dizer. Tinha identificado o seu destino com o da época mais crucial de que o homem tinha conhecimento. Das duas uma, ou, como Rimbaud, renunciamos a tudo aquilo que a nossa civilização tem representado até aos nossos dias, e procuramos construir desde o princípio, ou destruímo-la com as nossas próprias mãos. Quando o poeta está no nadir, então não há dúvida de que o mundo está de pernas para o ar. Se o poeta já não pode falar em nome da sociedade, mas apenas em seu próprio nome, então é porque estamos encurralados na última trincheira. Sobre o cadáver poético de Rimbaud, começámos a levantar uma torre de Babel. Nada significa o facto de ainda haver poetas e de alguns deles ainda serem inteligíveis, capazes de comunicar com a multidão. Qual é o rumo da poesia e onde reside o elo entre o poeta e a sua audiência? Qual é a mensagem? Esta é a pergunta mais importante. Qual é a voz que hoje em dia se faz ouvir, a do poeta ou a do cientista? Andamos a pensar na Beleza, por amarga que seja, ou anda mos a pensar na energia atómica? E qual é a principal emoção que as nossas grandes descobertas inspiram? Pavor! Temos saber e não temos sabedoria, temos conforto e não temos segurança, acreditamos mas não temos fé. A poesia da vida expressa-se apenas em termos matemáticos, físicos, químicos. O poeta é um pária, uma anomalia. Caminha para a extinção. Quem é que hoje se preocupa com o facto de o poeta se tornar a si próprio monstruoso? O monstro anda à solta. Passeia-se pelo mundo. Fugiu do laboratório e está ao serviço de seja quem for que tenha coragem suficiente para lhe dar emprego. Na verdade, o mundo tornou-se número. A dicotomia moral, como todas as dicotomias, sofreu um colapso. Atravessamos uma era em que uma grande maré tudo arrasta ao acaso. Começou a grande deriva.
E os loucos falam de reparações, inquisições, retribuições, de alinhamentos e coligações, de comércio livre e de estabilidade e revitalização económicas. Nenhum deles acredita, no fundo, que a situação mundial possa ser regulada. Todos aguardam o grande acontecimento, o único acontecimento que nos preocupa dia e noite: a próxima guerra. Pusemos tudo em total desordem e ninguém sabe nem como nem onde procurar os meios de a controlar. Os travões ainda estão no sítio, mas será que funcionam? Sabemos que não. O demónio anda à solta. A era da electricidade já lá vai há tanto tempo como a Idade da Pedra. Esta é a Idade do Poder, do poder puro e simples. Agora a escolha é entre céu e inferno; já não é possível meio termo. E tudo indica que vamos escolher o inferno. Se o poeta vive o seu inferno, já não é possível ao homem comum escapar dele. Terei eu dito que Rimbaud era um renegado? Todos somos renegados. Desde o alvorecer dos tempos que andamos a renegar. Finalmente, o destino consegue andar a par connosco. Todos, homens, mulheres e crianças, identificados com esta civilização, vamos entrar na nossa Estação no Inferno. É isso que temos andado a pedir; cá está. Aden ainda nos há-de parecer um local confortável. No tempo de Rimbaud ainda era possível deixar Aden e partir para Harare, mas daqui por cinquenta anos o mundo há-de parecer uma vasta cratera. Apesar do que em contrário possam dizer os cientistas, o poder que o homem tem hoje nas mãos é radioactivo, é permanentemente destrutivo. E nunca pensámos no poder em. termos de bem; apenas em termos de mal. Nada existe de misterioso no que toca à energia do átomo; o mistério reside no coração dos homens. A descoberta da energia atómica ocorre em sincronia com a descoberta de que nunca mais podemos confiar uns nos outros. Aqui, neste medo capaz de se multiplicar como as cabeças da Hidra, medo que nenhuma bomba consegue destruir, aqui é que reside a nossa fatalidade. O verdadeiro renegado é o homem que perdeu a fé no seu semelhante. E a perda da fé, hoje, é universal. Aqui, neste ponto, o próprio Deus é impotente. A nossa fé transpôs-se para a bomba e será a bomba a responder às nossas orações.”



O Tempo dos Assassinos
Henry Miller
Hiena Editora, 1983
Colecção Cão Vagabundo 8

20 outubro 2004

book zapping #002 italo calvino

As Cidades Invisíveis

As cidades e os mortos. 3


"Não há cidade mais propensa que Eusápia a gozar a vida e a fugir às ansiedades. E para que o salto da vida para a morte seja menos brusco, os habitantes construíram debaixo de terra uma cópia idêntica da sua cidade. Os cadáveres, secos de maneira que fique o esqueleto revestido de pele amarela, são levados lá para baixo para continuarem as ocupações de antes. Destas, são os momentos despreocupados que têm a preferência: a maior parte deles, colocam-nos sentados à volta de mesas postas, ou em posição de dança ou no gesto de tocar trompas. Mas também todos os comércios e ofícios da Eusápia dos vivos continuam ao trabalho debaixo de terra, ou pelo menos aqueles que os vivos realizaram com mais satisfação que enfado: o relojoeiro, no meio de todos os relógios parados da sua oficina, encosta uma orelha ressequida a um relógio de pêndulo sem corda; um barbeiro ensaboa com o pincel seco o osso das bochechas de um actor enquanto este estuda o papel fixando o guião com as órbitas vazias; uma rapariga de caveira sorridente ordenha uma carcaça de bezerra.
É claro que são os vivos que pedem para depois de mortos um destino diferente do que lhes calhou: a necrópole está cheia de caçadores de leões, meios-sopranos, banqueiros, violinistas, duquesas, cortesãs, generais, mais dos que contou a cidade viva.
A incumbência de levar lá para baixo os mortos e colocá-los no lugar desejado está outorgada a uma confraria de encapuçados. Mais ninguém tem acesso à Eusápia dos mortos e tudo o que se sabe lá de baixo sabe-se por eles.
Diz-se que a própria confraria existe entre os mortos e que não deixa de lhes dar uma ajuda; os encapuçados depois de mortos prosseguirão também o mesmo ofício na outra Eusápia; fazem crer que alguns deles já estão mortos e continuam a andar para cima e para baixo. E evidente que é muito ampla a autoridade desta congregação sobre a Eusápia dos vivos.
Dizem que sempre que descem encontram qualquer coisa mudada na Eusápia de baixo; os mortos trazem inovações à sua cidade; não muitas, mas certamente fruto de reflexão ponderada, e não de caprichos passageiros. De um ano para o outro, dizem, a Eusápia dos mortos não se reconhece. E os vivos, para não lhes ficarem atrás, querem fazer também tudo o que os encapuçados contam das novidades dos mortos. Assim a Eusápia dos vivos pôs-se a copiar a sua cópia subterrânea.
Dizem que isto não é só agora que acontece: na realidade teriam sido os mortos a construir a Eusápia de cima à semelhança da sua cidade. Dizem que nas duas cidades gémeas já não há maneira de saber quais são os vivos e quais os mortos."



Ítalo Calvino
“As Cidades Invisíveis”
Teorema
Lisboa 1999

14 outubro 2004

book zapping #001 marguerite yourcenar

Arquivos do Norte


“Mas vamos depressa de mais: sem querer precipitamo-nos pela encosta que nos traz ao presente. Contemplemos antes este mundo que ainda não atravancamos, estas léguas da floresta cortada por charnecas que se estende quase ininterrompida de Portugal até à Noruega, das dunas às futuras estepes russas. Recriemos em nós este oceano verde, não imóvel, como é a maioria das nossas representações do passado, mas em movimento e mudança no decorrer das horas, dos dias e das estações que fluem sem terem sido medidos pelos nossos calendários nem pelos nossos relógios. Vejamos as árvores de folha caduca ficarem encarnadas no Outono e os pinheiros balançarem na Primavera as suas agulhas novas ainda cobertas por uma fina cápsula castanha. Mergulhemos neste silêncio quase virgem de barulhos de vozes e de utensílios humanos, onde se ouvem apenas os bandos das aves ou o seu chamamento de aviso quando um inimigo, doninha ou esquilo, se aproxima, o zumbido de miríades de mosquitos, ao mesmo tempo predadores e presas, o rugido de um urso que procura na fenda de um tronco um favo de mel que as abelhas defendem a zumbir, ou ainda o estertor de um veado despedaçado por um lince.
Nos pântanos cheios de água, um pato mergulha, um cisne que toma balanço para voltar ao céu faz o seu enorme barulho de asas desdobradas; as cobras deslizam silenciosamente sobre o musgo ou fazem estalar as folhas secas; ervas fortes tremem no alto das dunas ao vento de um mar ainda não poluído pelo fumo de nenhuma caldeira, o óleo de nenhum carburante, e sobre que nenhuma nave se aventurou ainda. Às vezes, ao largo, o jacto poderoso de uma baleia; o salto contente dos marsuínos como eu os vi, à frente de um barco carregado de mulheres, crianças, utensílios domésticos e cobertores apanhados ao acaso onde eu seguia com os meus em Setembro de 1914, de regresso à França não invadida, via Inglaterra; e a criança de onze anos sentia já confusamente que essa alegria animal pertencia a um mundo mais puro e mais divino do que aquele em que os homens fazem sofrer os homens.
Estamos a cair de novo na anedota humana; dominemo-nos; giremos com a Terra que anda como sempre inconsciente de si própria, belo planeta no céu. O Sol aquece a ténue crosta viva, faz sair os rebentos e fermentar os cadáveres, puxa do solo um vapor que a seguir dissipa. Depois, grandes bancos de bruma velam as cores, abafam os ruídos, recobrem as planuras da terra e as ondulações do mar com uma única e espessa toalha cinzenta. A chuva sucede-lhe, ressoando sobre biliões de folhas, bebida pela terra, sugada pelas raízes; o vento dobra as árvores novas, abate os troncos, varre tudo com um imenso rumor. Enfim, voltando de novo, o silêncio, a neve imóvel sem outra marca na sua superfície que não seja a dos cascos, das patas ou das garras, ou as estrelas que os pássaros gravam quando nela poisam. Nas noites de lua, movem-se claridades sem que seja preciso um poeta ou um pintor para as contemplar, sem que lá esteja um profeta para saber que um dia espécies de insectos com carapaças grosseiras se aventurarão lá no alto sobre a poeira dessa bola morta. E quando a luz da Lua não as oculta, as estrelas brilham, mais ou menos colocadas como estão hoje, mas não ainda ligadas entre elas por nós em quadrados, em polígonos, em triângulos imaginários, ainda não baptizadas com nomes de deuses e de monstros que não lhes dizem respeito.”

Marguerite Yourcenar
“Arquivos do Norte”
trad. De Helena Vaz da Silva e Alberto Vaz da Silva
Difel
Lisboa 1989