27 março 2023

elio pecora / confidência

 
 
Espera-me no espelho
como num velho conto de desconfiada loucura,
raramente me olha
porém, conheço bem o desprezo que alterna com o medo,
estamos juntos ab initio
decerto estaremos até ao extremo encerramento
quando voltarmos a partir
rumo àquele nada que a nós, como a todos, toca.
De vez em quando o esqueço
e, ao andar, torna-se leve e contente o percurso,
mas cedo o ignorado
volta a contar os passos, a tirar o fôlego;
vi-o, apetrechava-se
de esperanças algo dúbias, de prémios baratos,
quando bastava
ministrar-se as ânsias e os desejos nunca calados.
Da vez em que tentei deixar o quarto do seu triste segredo
entreabriu a porta
e mostrou-me, num ápice, apenas areia e cinza.
 
 
 
elio pecora
poemas escolhidos
interlúdio (1987)
tradução de simoneta neto
quasi
2008
 



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