04 abril 2021

vitorino nemésio / versos a uma cabrinha que eu tive

 
 
Com seu focinho húmido
Esta cabrinha colhe
Qualquer sinal de noite
De que a erva se molhe.
 
Daquela flor pendente
Pra que seu passo apela
Parece que a semente
É o badalinho dela.
 
Sua pelerina escura
Vela-a da noite sentida;
Tem cada pêlo uma gota,
Com passos, poeira, vida.
 
De silêncio, silvas, fome,
Compõe nos úberes cheios
Toda a razão do seu nome
E fruto de seus passeios.
 
Assim já marcha grave
Como os navios entrando,
Pesada dos pensamentos
Da sua vida suave.
 
E enfim, no puro penedo
De seus casquinhos tocado,
Está como o ovo e a ave:
Grande segredo
Equilibrado.
 
 
 
vitorino nemésio
eu, comovido a oeste
antologia poética
asa
2002





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