Cansadas de se terem contraído todo o inverno as
árvores de repente gabam-se de ser enganadas: soltam as suas palavras, uma
onda, um vómito de verde. Tentam alcançar uma folheação completa de palavras. Tanto
pior! As coisas arranjar-se-ão como puderem! E, na realidade, arranjam-se! Nenhuma
liberdade na folheação… As árvores lançam, pelo menos é o que pensam, não
importa que palavras, lançam caules para neles suspenderem mais palavras: os
nossos troncos, pensam elas, aqui estão para tudo assumirem. Esforçam-se por se
esconderem, por se confundirem umas nas outras. Julgam poder dizer tudo, cobrir
inteiramente o mundo com palavras variadas: mas não dizem senão «as árvores». Incapazes
até de reter os pássaros que delas voltam a partir, embora se alegrassem por
terem produzido tão estranhas flores. Sempre a mesma folha, o mesmo modo de
desdobramento, e o mesmo limite, sempre folhas simétricas umas às outras,
simetricamente suspensas! Tenta mais uma folha! — A mesma! Mais outra! A mesma!
Em suma, nada poderia pará-las senão de súbito esta observação: «Não se sai das
árvores por meios de árvore». Um novo cansaço, e uma nova mudança moral.
«Deixemos tudo isto amarelecer, e cair. Que venha o taciturno estado, o
despojamento, o OUTONO.»
francis
ponge
le parti pris
des choses
alguns poemas
tradução de manuel gusmão
livros cotovia
1996
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