VI
Fecundo mês da oferta onde a
invenção ilumina
a harpa e a loucura desperta
a pura espada
em pleno sangue. Ó vasto,
amargo e límpido mês
interior onde a graça
se toca do fogo e o corpo se
torna o cândido
e longo varão de música.
Escada de seiva
entre arbustos de estrelas
e cubos de sal perpetuamente
ardendo.
— Por ti, mês feliz de
confusão e génio,
eu levanto minha húmida boca
até ao ar e ao vinho, levanto
minha obscura pedra por vias
de tormento
e instinto até
ao barro vermelho do céu, ao
espasmo
violento e sagrado das
palavras.
Mês por onde subo fundamente
agitado
em meu coração de argila, em
minhas veias
de pequena infância
espantada e grata.
E subindo me incendeio e
consumo.
Mês das mãos purificadas.
Delicado mês para uma corola
de nuvem, um vivo transporte
entre coxas e mamas.
Em lama e areia se descobre
o pensamento, se perde a
memória, se possui
uma estreita palavra virgem
e extrema.
Arde, mesa. Arde,
instrumento de profunda
música. Arde, vinho. Carne,
ave, grande mar, grande
estátua fria,
grande sorriso desfeito na
face da solidão.
Mês de onde nascem os bichos
ébrios e a voz
das catedrais de resina e o
flanco
terrível e doce das
montanhas
e o amor irmão da morte e da
alegria.
Mês do poema, substância de
Deus servida
como ceia e primeira pedra
no espaço
da minha angústia,
do meu encanto.
Mês da aliança, tempo
tremendo da inocência onde a
lua desce
suas raízes ferozes
e a morte anuncia seus
primeiros sinais
de glória.
— E eu dormia. O sangue
atravessava a noite
como cantando baixo.
Tecedeiras deixavam mãos
sobre a atenção, flores começavam
no linho com o tremor
comprido das veias.
Mês, mês. Um beijo
pensava-se em palavra, recolhia-se, renascia,
vibrava na testa como o
beijo da loucura.
— Pela terra adiante
aumentava o trigo insensato do canto,
o perdão nascia das formas,
e por todas as coisas corria
o sopro alucinado
e redentor
de um primeiro minuto de
entre as mãos e a obra.
herberto helder
poesia toda
assírio & alvim
1996
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