24 fevereiro 2014

eugénio de andrade / há dias, há noites…

ângelo de sousa

Há dias, há noites em que as águas se movem lentas na minha memória. Movem-se? Daqui as vejo imóveis, com esse peso do verão sobre o corpo. Ninguém dirá que respiram, que não estão mortas, talvez corrompidas, pelo menos sufocadas pelas últimas poeiras, as mais cruéis. Contemplo-as, tão caladas na sua clausura ─ estremecidas águas! E tão expectantes, não à superfície, nas entranhas, ns suas raízes mais fundas, onde uma espécie de murmúrio se articula, modula na sombra, umas sílabas prenhes de silêncio se desprendem, rebentam à tona, ténues bolhas de ar, menos que suspiros ainda.
Como esquecê-las?


eugénio de andrade
limiar dos pássaros
limiar
1976


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