23 janeiro 2010

paulo jorge fidalgo / gostos








Gosto da chuva em dias cinzentos
das ruas transpiradas e das mulheres
abrigadas sob as pálpebras da noite.
Gosto de uvas e de tremoços
e dos trémulos moços que namoram.
miúdas constipadas - choro com eles
suas mágoas.
Gosto das luzes e das fachadas iluminadas
dos palácios com árvores e dos pássaros
nas árvores gosto da fidelidade dos cães
e do cheiro dos animais em casa
gosto do Inverno se estou triste e de ir
anoitecer ao cinema, bebo vinho e rio
sozinho no meu quarto enquanto espero
que tu venhas tardia e fria ao meu colo,
chamo-te nomes que amei e tu sabes
que eu amei e não te importas que te ame
assim tipo filme de renúncias e façanhas,
gosto de homens taciturnos e amigos
dos jornais de ontem e de um quadro
de Giotto numa história sem sentido,
leio prosa dispersa a preço razoável
e sou maldoso se vejo coisa doutro
que não preste, gosto de viagens curtas
e de mijar ao vento contra as giestas,
gosto de falar do passado e ser diferente
por dentro de mim que se não vê,
modesto não digo porque minto mas gosto
do azul limpo ou quase verde, uso tinta
durmo mal e pago imposto.
E prefiro um gosto ao resto.








paulo jorge fidalgo
hablar/falar de poesia nr. 4
2001








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