12 julho 2018

mário-henrique leiria / panoramas do brasil




Nos parques dormem mendigos
enrolados em jornal.
Os notívagos insectos,
crepitam e desabafam.
A neblina cobre a rua
obumbra as feições da lua,
faz dos transeuntes espectros.
Imerso em meus devaneios,
assobiando cantigas
que inda no berço aprendi,
eu sigo perambulando
vendo coisas espantosas
que não supunha existir.

Que fazem as negras
cingidas em postes
de iluminação?
Passei-lhes por perto
nenhuma me viu
estão obtusas
de tanta cachaça,
e desilusão.
São negras sedentas
famintas e nuas
chorando nas ruas,
trazendo no bucho
pecados alheios,
dormindo? Coitadas
pêlos escaminhos
e pelas sarjetas
dos templos sagrados
aonde ressoam
tranquilos e fartos
os gordos sicários
do meigo Jesus.

No botequim
a ruiva de henné
no colo do homem
ao qual explorava
com gesto fútil
às vezes sorria.
Na boca postiça
sorriam postiços
seus dentes de louça.
No meio da noite
é o pederasta,
tipo numeroso,
que acha os boêmios
em altos clamores
de tara mental.
Os que se aproximam,
desejam dinheiro
para a bacanal.

Um guarda-noctruno,
obeso e cafuzo,
em roncos suínos
de besta saciada,
tirava cochilos
num carro esquecido
que à beira da estrada
dormia também.
De madrugada,
meio à neblina,
e que se acirram
e recrudescem
trôpegos passos
soturnos ecos
da dura faina
das prostitutas.

Gatos que vivem ao léu
dão uma nota de instinto
fornicando nos telhados
e canteiros desfolhados
de madames irascíveis.
De vez em quando o berreiro
dos automóveis que passam
conduzindo mariposas
para o amor dos milionários.
Depois retorna o silêncio
onde seus passos explodem
como flores apagadas.
O mundo é só, quem te espera?
Os bares não têm amigos,
mulheres não têm sorrisos,
as estrelas feneceram
na madrugada sem fim.
Só globos de luz vegetam
boiando na escuridão
como que vindos de longe,
fazendo as vezes de estrelas
luzeiros do engenho humano,
iluminando a sarjeta
onde rola a perdição.

E quando amanhece
e o dia estremece
saltando nos céus,
ninguém reconhece
as coisas que vê.
O mundo girando,
os ricos gozando,
os pobres penando,
os párias morrendo…
a vida correndo…

Alguns ressonando
em camas de pena,
em leitos de pedra
em leitos de pedra
vão outros dormir.

E o mundo girando
a vida correndo
e os deuses sorrindo
sorrindo e chorando
das coisas que vêem.
E o mundo girando
e o dia passando
e a noite chegando
e os homens gritando
de fome e de dor.




mário-henrique leiria
obras completas
poesia
e-primatur
2018


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