30 maio 2013
marosa di giorgio / os papéis selvagens
24 julho 2012
marosa di giorgio / os papéis selvagens
16 março 2010
marosa di giorgio / os papéis selvagens
8
Vamos pela parede.
A mamã tem asas castanhas sedosas; eu, asas cor de violeta; ao abri-las vêem várias camadas de gaze. Prosseguimos pelo muro; com antenas finíssimas tocando nos galhos, nos ramos, de bálsamo, de salsa e de outras coisas.
Parece que estamos livres dos semelhantes que são como azougue.
A cada minuto, a lua é mais branca e escura.
E resplandece por todo o prado, aqui e ali, a Virgem dos Insectos.
Com asa e diadema e muitíssimos pés.
marosa di giorgio
os papéis selvagens
tradução de rosa alice branco
encontros de talábriga
06 junho 2009
marosa di giorgio / os papéis selvagens
6
Pus um ovo, branco, puro, brilhante; parecia uma estrela ovalada. Mas anos atrás, já tinha posto outro, celeste, e outro cor de rosa; mas este era puro, branco, brilhante e o mais bonito. Coloquei-o numa taça com a mão por cima, para que não perdesse o brilho; mimei-o com descrição, com certa indiferença fingida. As mulheres ficaram invejosas, insidiosas, criticavam-me; ostensivamente cobriam os ombros e alongaram os vestidos.
Prossegui, inflexível.
Não posso dizer o que saiu do ovo porque não sei; mas, seja o que for, ainda me segue; a sua sombra filial e terna, abate-se sobre mim.
marosa di giorgio
os papéis selvagens
tradução de rosa alice branco
encontros de talábriga
14 outubro 2007
papeis selvagens
4
Vi morrer o sol. o centro redondo e os longos raios que, rapidamente se enroscaram.
Saí, caminhei sobre latas, pedras e tartarugas.
No prado, as violetas rodearam-me; os ramos sombrios e azuis.
A meu lado, brotou um ser, do sexo feminino, de quatro ou cinco anos, rosto redondo, escuro, cabelo curto.
Falou numa língua que eu nunca tinha ouvido; mas que entendi.
Perguntou-me se eu realmente existia, se tinha filhas.
Outras, idênticas, surgiram de muitos lados; de entre os ramos caíu, diante de mim, uma paisagem cheia de meninas.
Olhei para o céu, não havia uma estrela, não havia nada.
Recordei antigas fórmulas, disse-as de diversos modos, trocando as sílabas; nada resultou.
Não sei quanto tempo passou, como pude saltar das violetas.
Afastei-me em desespero, entrei, fechei as portas.
Mas já a casa tinha começado a soçobrar.
E ainda hoje, ela baloiça como um barco.
marosa di giorgio
poemas
tradução de rosa alice branco
16 abril 2007
papeis selvagens
10
De súbito, surgiram as ovelhas.
Num instante, num de baixar de olhos.
Por toda a paisagem e pela encosta do monte.
Eram cor de rosa, celeste. Sépia ou cor de platina;
as outras, brancas, negras.
Embora, por momentos, as coisas parecessem ao contrário.
Pensei que sonhava.
O que via num papel, desenhos em forma de ovelhas.
Mas não; era verdade.
Na paisagem.
E ao fechar os olhos aparecia a seguir, no ecrã negro,
um rosto rectangular, oval, e o corpo gordo, multiplicado,
sabiamente.
Pareciam ter acorrido à concentração,
convocatória, sem espanto, com alguma tristeza.
Não podia ir embora, por onde iria!
Não podia chamá-las, porque já aqui estavam.
Não podia afugentá-las, porque eram imóveis.
Não podia esquecê-las, porque não me esqueço.
Não podia aceitá-las, porque havia qualquer coisa
que não estava bem.
Eu tou entre a espada e a parede,
e isto é um pedido de ajuda.
marosa di giorgio
poemas
tradução de rosa alice branco