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25 julho 2022

josé luis piquero / no parque de campismo

 
 
A sua beleza – um escândalo
de riso e juventude –
não direi que era o único motivo.
Pois é certo talvez que nos podemos
enamorar de pormenores tolos
e queridos – dizia sempre «oh!»
antes de responder; mas além disso dançava
maravilhosamente; e depois aquela
maneira tão graciosa
de usar a madeixa sobre os olhos.
 
No parque de campismo tinha má fama,
um fox-terrier e uma irmã mais nova.
Descíamos à povoação muitas vezes
e eu pagava o cinema, os refrescos,
como um namorado feliz e complacente
que faz festas nas cabeças dos cães e das crianças.
Na noite antes de partir trocámos,
com as direcções, promessas de escrever.
 
E embora seja certo que tenho
o seu postal de Roma e várias cartas,
desse verão guardo sobretudo
a penosa impressão do fracasso cobarde,
certo desassossego que nos dias de sol
me parece vergonha.
                                      Teria sido
muito melhor ter-lhe dado um beijo naquela noite
e perder-me com honra, e não lhe escrever.
 
 
 
josé luis piquero
poesia espanhola de agora vol. II
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
1997




22 setembro 2012

josé luis piquero / o que disse judas nessa noite


  
                                 Os discípulos olhavam uns para os outros,
                                         pois não sabiam de quem falava.
                                         Mt. 13.22





Longamente adestrados na suspeita e fartos
de mentir-nos uns aos outros,
canalhas que sorriem
enquanto bebem os seus whiskies.

Tempo de contrição: fizemo-nos tanto mal.

E hoje, se tento olhar-nos como quem de fora
alcança ver o centro das coisas,
vejo monstros perfeitos: moscas contra um vidro.

E contudo
houve um tempo de rosas selvagens no mundo
que habitámos a sós como amantes plurais,
e era boa essa mão distraída num ombro,
beber do mesmo copo em lentas cerimónias de saliva,
nus de verdade
contra  o céu bêbedo de uma noite inventada.

A noite é o salão que enchemos de fumo quase às escuras.
Tenho medo da noite que nos tira o pouco que nos resta ainda:
essas rosas, as mãos sobre o ombro.

Amigos tantas vezes atraiçoados:
depois  das mentiras, perdoemo-nos
ainda, enquanto há tempo.
No fundo continuamos a ser aqueles amantes.

Depois, se a verdade só nos fizer mal,
voltemos a mentir-nos, mas desta vez a sério, como dantes.

Refugiemo-nos juntos numa grande mentira redentora:
a cascata selvagem onde nadar nus,
os copos de vidro,
cabeças que repousam sobre peitos tranquilos.

Ah, não quero, não quero
que morra o que talvez dure um dia,
a sua marca inolvidável diante do fumo disperso deste bar.

Pois a noite, o fumo, asfixiam-nos;
somos água de gelo sem sabor,
vultos na névoa. Estamos a morrer
e que pouco vos importa.

Faz-se tarde. Pensai nessa música
 assobiada ao entardecer, quando sorri a água
e os corpos estão em paz consigo.
Brinquedos de calor, ilhas agradecidas.

Preferis a verdade de um destino automático?

Adeus, meus traídos amigos Muito tempo
Amei vossas feições que já outra luz torna feias e estranhas

Vai amanhecer o dia sobre as flores secas.

Encerremos o mundo com um beijo.





josé luis piquero
poesia espanhola, anos 90
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2000