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08 dezembro 2012

gil t. sousa / caçar a água


  
10

caçar a água
no veludo escarlate da sede
pela madrugada
no coração tenro
da neblina
antes que a maré suba
os labirintos

aos pássaros
revelar a pedra
ensinar o lado de dentro
do musgo
a curva macia
dos seixos



porque a loucura
deve ser rasgada por dentro
com as mãos cravadas numa ponte
acesa ao abismo


gil t. sousa
água forte
2005 



16 novembro 2012

gil t. sousa / nirvana


  

9

segue
o sujo marfim
das horas


e chegarás
à loucura dos
santos



gil t. sousa
água forte
2005 





23 outubro 2012

gil t. sousa / manifesto


  

8

todo o olhar será resoluto
e cercará liquidamente todas as formas

todos as coisas
todas os seres

não parará de se cumprir
até ao ínfimo estremecer da cor mais rara

e ignorará sempre
a lei do espaço e do tempo

arrasará de irreal
a superfície dos volumes mais intensos

todas as arestas do mundo
serão extintas

e há-de nascer
uma nova geometria



gil t. sousa
água forte
2005




05 outubro 2012

gil t. sousa / o país das pessoas de pernas para o ar



Devido aos acontecimentos do dia, lembrei –me de ir  à procura do livro de Manuel António Pina, O País das Pessoas de Pernas para o Ar, talvez para saber como é que nesse país se hasteavam as bandeiras…  Corri tudo mas não o encontrei .

Desanimado, subi as escadas e fui para a rua comemorar a República. Cheguei já tarde, as mãos doridas de tanto caminhar.



25 setembro 2012

gil t. sousa / nenhuma escada


   
7

todos os relógios
estavam do teu lado


eu só tinha a minha torre
de espelhos
só tinha a noite
e o silêncio

e nenhuma escada




gil t. sousa
água forte
2005



10 setembro 2012

a propósito de violência




Somos todos contra a violência (eu sou contra a violência). Mas mesmo um pacifista, quando lhe arremessam com uma bomba, só tem duas hipóteses: ou a devolve ao agressor, ou abraça-a e morre com ela.

Eu sou pacifista, mas não a esse ponto.




18 agosto 2012

gil t. sousa / lentidão das facas





6

cheia
da lentidão das facas

a tua sombra
a cortar o tempo.



gil t. sousa
água forte
2005



28 julho 2012

gil t. sousa / paisagem interior aquecida


   

5

e os vulcões a fecharem-se
como flores no gelo

tu numa bicicleta de vento
a pedalar o fogo

por entre as nuvens,
tão novos caminhos. ah! tão novos!

tão altos os céus, ah! sempre tão altos
e muito ao longe o mundo:

uma vela podre no universo
mas ainda assim a luz

ainda assim
a casa para onde voltamos.



gil t. sousa
água forte
2005



15 julho 2012

gil t. sousa / as nossas mãos


  

4

eram tão simples
as nossas mãos

ainda tão simples
e prontas

quando
nos procurávamos

como se tudo
nos faltasse



gil t. sousa
água forte
2005



13 junho 2012

gil t. sousa / equador


  

3

mais tarde
sentiria a dor da terra seca

havia de ouvir o cinzel do tempo
e experimentar o arrepio
da fusão lenta dos espelhos

que estranho fogo nos queima
quando da solidão suprema
se ergue o chão de todas as coisas

e exangues de saudade e medo
aí deixamos o amor
todo o amor
com a violenta ternura
do que é eterno

quanto mais se pode dar
a quem um dia nos cruzou o coração
como um equador
de vida e paixão?



gil t. sousa
água forte
2005



28 maio 2012

gil t. sousa / as três comadres




(sobre um quadro da alice loureiro)



2

no fim dum caminho antigo,
por entre as pedras e o céu,
há vozes que anunciam um outro tempo.


um tempo escondido no segredo das mentes,
como as almas se escondem
nas pedras das cidades que pecaram.

é a maldade simples da terra,
a intriga das ervas,
a sentença do que vive.

não há aqui eternidade,
nem morte,
e só os olhos levam o que lá diz;
em molhos de cor a lembrar cereais maduros,

mel guardado como um tesouro
para um amanhã esperado.
tudo acaba ali,

no precipício que divide o real
e anuncia o infinito com uma força nua de sinais.
e é nesse acabar

que uma outra realidade ganha forma,
tranquila como as coisas eternas,
enigmática como as coisas que, não sendo vivas,

obedecem a um outro sangue,
a um pulsar de que nunca saberemos o nome....




gil t. sousa
água forte
2005

03 maio 2012

gil t. sousa / invisível





1

as mãos roçam a noite como árvores nuas e tudo o que deixam nas janelas fechadas é um canto de pedra, um canto negro que sobe e desce os telhados de ruas desconhecidas e desertas, que se esconde em corações solitários, como gárgulas de sangue, por onde escorrem vozes, gritos secos e antigos, gritos de medo, gritos de raiva, de homens que sufocaram no tempo, estrangulados de mentira e de lama.

sou tão invisível, hoje! nenhuma ponte me apanha no abismo de acordar.




gil t. sousa
água forte
2005




20 abril 2012

gil t. sousa / não saber


  

50

todas as noites não saber

em que hora parar
em que degrau de sombra

largar o recado para o nada

que nos queima
as mãos




gil t. sousa
falso lugar
2004





05 abril 2012

gil t. sousa / febre





49

eles deixaram-me
porque lhes pedi a febre

não há mundo
no que não se incendeia

escuta:
sou uma vela branca
a murmurar a sua chama

apaga-me
se quiseres ir




gil t. sousa
falso lugar
2004






21 março 2012

gil t. sousa / epitáfio





48

amei com palavras grandes
e secretas

amei com versos limpos



gil t. sousa
falso lugar
2004





01 março 2012

gil t. sousa / lições





47

não há nada tão triste
como a primeira coisa
que escondemos numa gaveta


ou a última pessoa
que enterrámos num papel



gil t. sousa
falso lugar
2004



17 fevereiro 2012

gil t. sousa / um caminho

  


46

um caminho
que perfeito abrigasse
o chão
que nos sustém

e um céu
que se abrisse
ao morrer do medo
num longínquo ponto
sem luz

e que esta paixão
fosse um deserto
sem sede

este amor
o sono do tempo




gil t. sousa
falso lugar
2004





01 fevereiro 2012

gil t. sousa / recado





45

amei-vos

como uma árvore
ama os seus pássaros



gil t. sousa
falso lugar
2004




09 janeiro 2012

gil t. sousa / história de amor




44

é sempre
uma história de amor:

a árvore
que se afeiçoa ao pássaro

o sol
que se liga à água

os olhos
que se prendem ao mar




gil t. sousa
falso lugar
2004





21 dezembro 2011

gil t. sousa / claríssimo lugar




43

e chega-se ao lugar
do saber
ao claríssimo lugar
de tudo se nos correr no coração
como luz
como um animal devotado
e louco
branco, muito branco
caído nos olhos fechados
no outro lado
como se fosse enfim
a morte




gil t. sousa
falso lugar
2004