até secar na pele o recôndito veio
os opalinos rios desaguando baixo
enquanto te vigio à espera se abrandeces
surgem-me casas brancas
pilastras sucessivas
na funda quadratura de pátios sequestrados
mosaicos pontuando as salas de referências.
Nas báquicas volutas
as vides
policromam o chão de amores mais que suspeitos
engalanecem sobre os ângulos do repasto.
Enquanto recostado sopesas minha pele
e buscas na textura
o teu filão cativo
de forma terminante na rede alveolar,
como na mina o escravo avidamente passa
o dedo sobre o aurífero seio,
e firme o teu perfil moreno destacavas
no ocre da parede
sentindo o fresco chão inscrever-se na túnica,
eu te seguia o rasto
adivinhando na boca contraída
o rictus do desejo.
Gemias ao roçar-te a face contra os pés,
o estribo os magoou na última campanha
(a cativa mantém do saque
a cicatriz na nuca
e disfarça-a pousando por sobre o violeta
da zona contundida
o pente de coral que de manhã lhe deste)
A língua essa ficou-me oferta numa taça.
Numa noite de Maio
beberas talvez em demasia
de um torvo vinho acre
ao resguardo da brisa diluente
numa nave fenícia,
à volta celebravam com gritos a vitória,
apenas dois lugares no áspero parlamento,
lambia-te a barriga e comentava
o mundo circundante
um convidado atónito
soltou um vivo repto:
«Cave amantem».
Viraste a cabeça e vi por dentro a raiva
embravecer-te a boca.
Pediste na toalha a lâmina de prata.
No cabo cinzelado Artemísia sulcava
um mar de contusão.
Mandaste sossegar a trémula cabeça,
um golpe seccionou a língua virulenta.
Enquanto não estancou o sangue nessa noite
deitada no sombrio reduto das escravas
sentindo sobre o corte
pesar fresca mistura,
(uma velha tentara amordaçar a veia)
não pensava senão na próxima vingança.
Mas ao amanhecer
quiseste transportar-me
ao linho dos lençóis,
na cama desenhavam grinaldas tumulíneas
e a chama do azeite
enchia o ambiente.
Adormeci.
O teu olhar fitava dum Sileno
a face na parede
e uma mulher alada
dissecava à escuta
as fibras do mistério.
No tumulto de um sono
Em sobressalto
sentia a tua mão,
(o sangue junto às unhas grudou um lodo denso)
serena percorrer desimpedindo as vias,
projectos de cravar
entre os ossos do externo
adagas caldeadas em forjas escandecidas.
um pombo cinamomo
num nicho segredeia
dando à ninfa saprófita ali em vigilância
relatos em detalhe das ruas destruídas
notícia da chacina
que impende sobre os prédios
os contos do abate às roxas cercaduras
o saque reiterado nos frisos de uvas pretas
a desfolha das rosas
os caules de narcisos
a esmagada flor solta do azulejo
as novas da matança que grassa na cidade.
os presságios
os alicerces
editorial presença
1983
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