172 – A memória. Ela é quase sempre uma recuperação
de imagens imóveis. Porque relembrar o movimento exige um esforço de
deliberação. E a memória simplesmente aparece. Mas são imagens que se marcam ou
douram de um envolvimento que as transfigura. Um halo, uma ténue neblina. E tudo
isso inserido numa certa estação do ano, num certo momento do dia ou da noite. São
imagens que se repetem na evocação de certos lugares como se os condensassem e
nelas se resumisse ou aglomerasse a vida toda aí vivida. Uma hora de neve, de
um gelo na face ao caminhar por uma rua com os beirais das casas pingando a
água do degelo. Uma certa hora de Outono com esguios castanheiros a
desfolharem-se. Uma certa noite de Varão com uma grande lua a nascer. Um passeio
pelo campo com flores silvestres que talvez ninguém mais veja. Memória de uma
vida tão cheia do seu nada nesse breve instante que a resume toda. O melhor de
si. Esse nada de si.
vergílio
ferreira
escrever
edição de helder godinho
bertrand editora
2001
Sem comentários:
Enviar um comentário