02 setembro 2022

leopoldo alas / o tempo nos olhos

 
 
Não é o tempo o que me preocupa ter perdido
quanto os olhos que tive, limpos. E o cheiro do mar,
um rumor de vozes, a praia que sem saber porquê
me figuro intensa (mesmo sabendo que já então
era incómoda a areia e que queimava).
E lamento ainda mais que tudo aquilo que nunca sucedesse,
que tantos dias quanto suponho que vivi não existam,
nem sequer na memória. Porque não posso lembrar-me
de nada. e é inútil evocar a imagem de sempre:
areia muito fina que se escapa entre os dedos da mão.
Porque é mais triste que uma imagem que se escape o tempo
e que, farto de demónios, o teu olhar se apague.
E o cheiro do mar, um rumor de vozes, a praia…
 
 
 
leopoldo alas
poesia espanhola de agora vol. II
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
1997





 

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