03 fevereiro 2020

adonis / seis notas do lado do vento




5

                Escrevo em árabe. Nesta língua, a presença identifica-se com o invisível. O mundo está aí ausente, embora visível. O homem, segundo esta visão, é um estado continuado de ausência. A verdade reside no seio da língua enquanto desvendar da essência do mundo através das palavras de que Deus fez uso. Neste sentido, o próprio ser é aí uma língua. Os vivos estão adormecidos, hão-de despertar depois da morte. Escrever poesia nessa língua, e segundo o seu génio, é desvelar o invisível e o abismo da ausência que nos separa dele. Escrever poesia é prender-se a dizer uma «coisa», e essa «coisa» em árabe é o próprio abismo e o invisível. Se a poesia tem algum poder de fundar, funda aqui a presença do invisível. A escrita, em árabe, ensina apenas que a pátria não é um lugar, que não se situa em parte nenhuma. Ensina que é ela própria a pátria. Ensinou-me como poderia dizer: o meu corpo é o meu país.


adonis
arco-íris do instante
antologia poética
tradução de nuno júdice
dom quixote
2016






1 comentário:

Margarida Pires disse...

Os meus frutos derivam de muitos conhecimentos associados à nossa " Pátria Mãe"
Uma boa continuação de poetizar.
Um Abraço de luz.
Megy Maia