20 fevereiro 2017

marin sorescu / quadros



Todos os museus têm medo de mim:
Sempre que fico o dia inteiro
Diante de um quadro
No dia seguinte anunciam
O desaparecimento desse quadro.

Todas as noites me apanham a roubar
Noutras partes do mundo,
Mas eu nem ligo
Às balas que me assobiam ao ouvido,
E aos cães-polícia que já conhecem
O cheiro das minhas pegadas
Melhor do que os namorados
O perfume da amada.

Falo em voz alta com as telas
Que põem em perigo a minha vida,
Penduro-as nas nuvens e nas árvores
E recuo para obter perspectiva.

Com os mestres “italianos” podes facilmente conversar.
Que ruído de cores!
É por isso que sou logo apanhado com eles,
Visto e ouvido de longe,
Como se tivesse papagaios nos braços.

O mais difícil é roubar Rembrandt:
Estendes a mão e encontras a escuridão —
Ficas apavorado, os seus homens não têm corpo,
Apenas olhos fechados em adegas escuras.

As telas de Van Gogh são loucas,
Rolam e dão cambalhotas,
Tens de prendê-las bem
Com ambas as mãos,
Pois são sugadas por uma força lunar.

Não sei porque é que Breugel me faz chorar,
Não era mais velho do que eu,
Mas chamaram-lhe velho,
Porque sabia tudo quando morreu.

Procuro aprender com ele,
Mas não posso conter as lágrimas
Que escorrem nas molduras douradas
Quando fujo com as estações debaixo do braço.

Como vos disse, todas as noites
Roubo um quadro
Com uma perícia invejável.

Sendo o caminho muito longo,
Sou finalmente apanhado,
Chego a casa a altas horas,
Cansado e rasgado pelos cães
Trazendo comigo uma reprodução barata.


marin sorescu
simetria
tradução colectiva revista, completada e apresentada
por egito gonçalves
poetas em mateus
quetzal
1997




1 comentário:

Regina Figueiredo disse...

Magnífico poema!