Escusado será dizer que já não há
cidades de província e que talvez até nunca tenha havido: todos os lugares
comunicam instantaneamente, só se tem uma sensação de isolamento durante o
trajecto de um lugar para outro, isto é quando não se está em lugar nenhum. Eu,
justamente, encontro-me aqui sem ter um aqui nem um algures, reconhecível como
um estranho pelos não estranhos pelo menos como os não estranhos são por mim
reconhecidos e invejados. Sim, invejados. Observo de fora a vida de uma noite
numa pequena cidade qualquer, e percebo que fui posto fora de todas as noites
quaisquer durante sabe-se lá quanto tempo, e penso em milhares de cidades como
esta, em centenas de milhares de locais iluminados onde a esta hora as pessoas
deixam que tombe o escuro da noite, e não lhes passa pela cabeça nenhum dos
pensamentos que tenho eu, se calhar têm outros que não são de maneira nenhuma
invejáveis, mas neste momento estaria pronto a fazer a troca com qualquer uma
delas.
italo calvino
se numa noite de inverno um
viajante
trad. josé
colaço barreiros
publico
2002
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