10 julho 2013

ievgueni ievtuchenko / imagem de infância



  Rompendo caminho com os cotovelos,
                                                  íamos correndo.
  Espancavam alguém no mercado.
  Seria possível ver aquilo?
  Para chegar ao barulho apressámos o passo,
  Ensopámos as botas de feltro
  E esquecemo-nos de limpar o monco.
  De repente parámos...
                                     E apertou-se-nos o coração
  Ao vermos como se fechava
  O cerco dos sobretudos, dos casacos de peles
                                                             e dos gorros.
  Como o homem estava de pé,
                                    junto ao lugar da hortaliça,
  Defendendo com os ombros a cabeça das pedradas,
  Das chapadas, bofetadas, escarros, pontapés.
.
  Súbito, à direita, dão-lhe um soco em cheio na boca.
  Súbito, à esquerda, esmagam-lhe na testa
                                            uma mão cheia de gelo.
  O sangue aflorou, brotou depois com força.
  E todos se irritaram. Todos à uma começaram
                                                                    a berrar,
  Batendo no homem com rédeas e cacetes,
  Com os eixos de ferro das rodas.
  Em vão ele implorava, rouco: "Que fazeis, irmãos?"
  A multidão queria ajustar contas a sério.
  A multidão ensurdecedora, em fúria.
  A multidão repontava com os que batiam mal.
  E calcava aos pés qualquer coisa
                                          semelhante a um corpo
  No meio da neve primaveril, feita lama.

  Batiam com gosto. Com imaginação. Em cheio.
  Eu vi a pressa e a exactidão com que
  Umas botas lhe davam pontapés e pontapés,
  A ele, deitado, que mal podia respirar
  Arrastando-se na lama e no estrume.

  O dono das botas, rapagão de focinho honesto,
  Terrivelmente orgulhoso da sua honestidade,
  Continuava a bater, dizendo: "Patife!".
  Batia com inocência convicta, pesada,
  E a transpirar, rosto vermelho e satisfeito,
  Gritou-me: "Chega-lhe tu também, miúdo!"

  Não me lembro de quantos gritavam,
  Talvez cem, talvez mais de cem,
  Mas eu, o miúdo, chorei de vergonha.
  E podem ser cem a bater à bruta,
  Podem mesmo bater com razão -
  Não serei nunca o cento e um.




  ievgueni ievtuchenko
  ievtuchenko em lisboa (1967)
   dom quixote
   1968


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