Rompendo caminho com
os cotovelos,
íamos correndo.
Espancavam alguém no
mercado.
Seria possível ver
aquilo?
Para chegar ao
barulho apressámos o passo,
Ensopámos as botas
de feltro
E esquecemo-nos de
limpar o monco.
De repente
parámos...
E
apertou-se-nos o coração
Ao vermos como se
fechava
O cerco dos
sobretudos, dos casacos de peles
e dos
gorros.
Como o homem estava
de pé,
junto ao
lugar da hortaliça,
Defendendo com os
ombros a cabeça das pedradas,
Das chapadas,
bofetadas, escarros, pontapés.
.
Súbito, à direita,
dão-lhe um soco em cheio na boca.
Súbito, à esquerda,
esmagam-lhe na testa
uma
mão cheia de gelo.
O sangue aflorou,
brotou depois com força.
E todos se
irritaram. Todos à uma começaram
a
berrar,
Batendo no homem com
rédeas e cacetes,
Com os eixos de
ferro das rodas.
Em vão ele
implorava, rouco: "Que fazeis, irmãos?"
A multidão queria
ajustar contas a sério.
A multidão ensurdecedora,
em fúria.
A multidão repontava
com os que batiam mal.
E calcava aos pés
qualquer coisa
semelhante a um corpo
No meio da neve
primaveril, feita lama.
Batiam com gosto.
Com imaginação. Em cheio.
Eu vi a pressa e a
exactidão com que
Umas botas lhe davam
pontapés e pontapés,
A ele, deitado, que
mal podia respirar
Arrastando-se na
lama e no estrume.
O dono das botas,
rapagão de focinho honesto,
Terrivelmente
orgulhoso da sua honestidade,
Continuava a bater,
dizendo: "Patife!".
Batia com inocência
convicta, pesada,
E a transpirar,
rosto vermelho e satisfeito,
Gritou-me:
"Chega-lhe tu também, miúdo!"
Não me lembro de
quantos gritavam,
Talvez cem, talvez
mais de cem,
Mas eu, o miúdo,
chorei de vergonha.
E podem ser cem a
bater à bruta,
Podem mesmo bater
com razão -
Não serei nunca o
cento e um.
ievgueni ievtuchenko
ievtuchenko em lisboa (1967)
dom quixote
1968
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