Ode ao Tejo
e à memória de
Álvaro de Campos
E aqui estou eu,
ausente diante
desta mesa-
e ali fora o
Tejo.
Entrei sem lhe
dar um só olhar.
Passei, e não me
lembrei de voltar a cabeça,
e saudá-lo deste
canto da praça.
"Olá Tejo!
Aqui estou eu outra vez!"
Não, não olhei.
Só depois que a
sombra de Álvaro de Campos se sentou a meu lado
me lembrei que
estavas aí, Tejo.
Passei e não te
vi.
Passei e vim
fechar-me dentro das quatro paredes, Tejo!
Não veio nenhum
criado dizer-me se era esta a mesa
em que Fernando Pessoa se sentava,
contigo e os
outros invisíveis à sua volta,
inventando vidas
que não queria ter.
Eles ignoram-no
como eu te ignorei agora, Tejo.
Tudo são
desconhecidos, tudo é ausência no mundo,
tudo indiferença
e falta de resposta.
Arrastas a tua
massa enorme como um cortejo de glória,
e mesmo eu que
sou poeta passo a teu lado de olhos fechados,
Tejo que não és
da minha infância,
mas que estás
dentro de mim como uma presença indispensável,
majestade sem par
nos monumentos dos homens, imagem muito minha do terno,
porque és real e
tens forma, vida ímpeto,
porque tens vida,
sobretudo,
meu Tejo sem
corvetas nem memórias do passado...
Eu que me esqueci
de te olhar!
O meu mal é não
ser dos que trazem a beleza metida na algibeira
e não precisam de
olhar as coisas para as terem.
Quando não estás
diante dos meus olhos, estás sempre longe.
Não te reduzi a
uma ideia para trazer dentro da cabeça,
e quando estás
ausente, estás mesmo ausente dentro de mim.
Não tenho nada,
porque só amo o que é vivo,
mas a minha
pobreza é um grande abraço em que tudo é sempre virgem,
porque quando o
tenho, é concreto nos braços fechados sobre a posse.
Não tenho lugar
para nenhum cemitério dentro de mim...
E por isso é que
fiquei a pensar como era grave ter passado sem te olhar, ó Tejo.
Mau sinal, mau
sinal, Tejo.
Má hora, Tejo,
aquela em que passei sem olhar para onde estavas.
Preciso dum
grande dia a sós contigo, Tejo,
levado nos teus
braços,
debruçado sobre a
cor profunda das tuas águas,
embriagado do teu
vento que varre como um hino de vitória
as doenças da
cidade triste e dos homens acabrunhados...
Preciso dum
grande dia a sós contigo, Tejo,
para me lavar do
que deve andar de impuro dentro de mim,
para os meus
olhos beberem a tua força de luxo indomável,
para me lavar do
contágio que deve andar a envenenar-me
dos homens que
não sabem olhar para ti e sorrir à vida,
para que nunca
mais, Tejo, os meus olhos possam voltar-se para outro lado
quando tiverem
diante de si a tua grandeza, Tejo,
mais bela que
qualquer sonho,
porque é real,
concreta, e única!
adolfo
casais monteiro
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