02 novembro 2010

sophia de mello breyner andresen / a escrita







No Palácio Mocenigo onde viveu sozinho
Lord Byron usava as grandes salas
Para ver a solidão espelho por espelho
E a beleza das portas quando ninguém
Passava


Escutava os rumores marinhos do silêncio
E o eco perdido de passos num corredor
Longínquo
Amava o liso brilhar do chão polido
E os tectos altos onde se enrolam as sombras
E embora se sentasse numa só cadeira
Gostava de olhar vazias as cadeiras

Sem dúvida ninguém precisa de tanto espaço vital
Mas a escrita exige solidões e desertos

E coisas que se vêem como quem vê outra coisa

Podemos imaginá-lo sentado à sua mesa
Imaginar o alto pescoço espesso
A camisa aberta e branca
O branco do papel as aranhas da escrita
E a luz da vela – como em certos quadros –
Tornando tudo atento





sophia de mello breyner Andresen
ilhas
caminho
2004




2 comentários:

Lídia Borges disse...

A magia de Sophia está na proximidade da sua escrita ao real na exclusão de todo o malabarismo linguístico de que se faz alguma poesia.
Lord Byron, um romântico na sua instabilidade confessional, à procura de si próprio, inspira Sophia cuja obra poética excluiu o pendor pessoal e romântico. Será a atracção dos opostos?

L.B.

Jonathan disse...

Lindo poema da Sophia!!!!!