03 junho 2009

stig dagerman /o que vem a ser o meu talento?









(...)

Decido encher todas as minhas páginas em branco
com as mais belas combinações de palavras
que seja capaz de engendrar.
E depois, porque quero assegurar-me
que a vida não é absurda
e não me encontro só sobre a terra,
reúno-as todas num livro
e ofereço-o ao mundo.
Este, retribui-me com a riqueza,
a glória e o silêncio.
Mas não sei que fazer com este dinheiro,
nem que prazer tirar
de contribuir para o progresso da literatura,
pois só desejo o que jamais obterei
- a certeza de que as minhas palavras
tocaram o coração do mundo.

É então que me pergunto
o que vem a ser o meu talento,
e descubro que não passa de uma forma
de me consolar da solidão.

Risível consolo - que apenas me torna
cinco vezes mais pesada
a solidão.






stig dagerman
a nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer
versão de paula castro e josé daniel ribeiro
fenda edições
1989







3 comentários:

magda disse...

Se o escrito fosse lido como fantasia seria futurologia de décadas atrás.

Como não pode ser lido assim é a doce realidade com que os grandes convivem.
E porque não. A solidão dos pequenos já nem é menor.

Estamos todos sós. "Por baixo da nossa pele".

_Sentido!... disse...

Que fantástico poema!
Que verdadeiro!

AR disse...

O talento acompanha-nos, seja ele qual fôr, torna-nos diferentes, existentes, especiais. Sim, tem todo o sentido!