18 fevereiro 2009

m. fernanda silva / essas mulheres









as mulheres que se deitam à noite
nos quartos levemente amarelecidos do fumo
dos cigarros
daqueles homens que as
frequentam
lhes exigem excitações inéditas
lhes gritam
lhes choram nos colos
e soluçam
desamparados
lhes atiram alguns euros
sobre os lençois encardidos
das camas murchas

as mulheres de todos os homens e mais
um
e menos um
que nem sonhos têm
pois morrem todos os dias
e noites
nas gélidas camas

essas mulheres são como sombras
translúcidas

não se recortam em nenhum
horizonte
em paisagem alguma

não desenham corações
nas janelas embaciadas
quando há inverno
não esperam os fulgores
dos ocasos
nos verões intermináveis

e só cheiram as flores dos
anúncios televisivos
dos outdoors convidativos
das revistas cor de rosa que
às vezes espreitam
nos quiosques superlotados
entre notícias
artes banais
economias em desastres
revistas informáticas
vídeos mais baratos
armadilhas de mexericos
de ridículas damas botoxadas
nas maçãs
dos rostos anciãos


as mulheres das noites paralelas
dos dias de sonos agitados
com filhos na berma das cidades
pais velhos em aldeias
quase extintas
elas também
permanentemente
extintas
corpos de almas esvoaçantes
buscam não sabem o quê
porque já nada sabem
excepto que lhes é proibido
ser mulheres









m.f.s.









1 comentário:

Miguel Pires Cabral disse...

Muitos parabéns pelo poema. Li todos, mas, não sei bem porquê, este ficou gravado de uma outra forma. Gostei.

Continua, de preferência a escrever bem.

:)