16 julho 2007

harold pinter / poema






Parti uma manhã com a minha única mulher,
Para longe das dunas em direcção à feira de Verão,
Ia comprar uma vidraça e um xaile branco,
Para lá dos penedos e do monte banhado pelo sol.
Mas um desconhecido disse-nos que a feira já tinha terminado,
E eu dei meia volta com a minha única mulher.

E eu dei meia volta e conduzi-a a casa.
Ela seguiu-me de perto para longe do Verão,
Para lá dos penedos e do monte banhado pela lua,
Através das dunas ao cair da noite,
E chegou à nossa casa sem vidraça,
E o comprido ano espreguiçou-se vindo de leste.

A minha única mulher sentou-se ao lado de uma vela.
O Inverno lamentava-se à porta.
Uma viúva trouxe-nos um longo xaile preto.
Eu coloquei-o nos ombros da minha fiel mulher.
A viúva foi-se embora através das dunas,
Afastou-se da nossa casa sem vidraça.

O ano transformou-se em alvorada prematura.
Parti uma manhã com a minha única mulher,
Para longe das dunas em direcção à feira de Verão,
Para vender uma vela e um xaile preto.
Separámo-nos no monte banhado pelo sol,
Ela em silêncio, eu para o extremo oeste.

1953










harold pinter
várias vozes
trad. pedro marques
quasi
2006







1 comentário:

Berta Cem Mil disse...

ora cá está a prova de que um grande escritor não pode cingir a sua arte a um espartilho. o nobel pinter tem perfil de lenda na dramaturgia mas aqui é-nos servido em poema singelo, sobre um daqueles amores que morrem de morte natural... muito bom. obrigada.