28 dezembro 2020

antónio franco alexandre / dos jogos de inverno

 
 
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subitamente estou afastado de todas as águas, rei de uma imensa ilha
forçosamente devastada, filas de escravos, camiões, barreiras
de onde balouçam delgados rostos brancos,
e um pouco adiante, entre carris, areia,
chamas de fogo escuro soltam-se da terra: mas
 
não é de crer sejam as portas dos infernos. escrevo
no luminoso écran onde os corpos se banham
silenciosos, com o firmamento
azul sobre o silêncio deles e
é quando as mãos se soltam quando o fogo, a luz
 
em lâminas separa o seco pó, era um jardim ao fim da tarde! depois
é o costume: cisternas, alçapões, planaltos,
a rua de cavalos, latas de leite, estrume,
e é quando o fogo fica esquecido e as boca escuras ardem
para sempre jamais
e o vento estranhamente tépido está pousado nas colinas
como uma coluna até ao céu
 
e é quando todas as palavras são uma baba muito límpida
que as bocas da terra deitam para fora da terra
sem escadas para descer com o chão muito liso
e só a bruma rasgada a gritar (dizem poetas)
poe este cheiro a coisa nenhuma dobrada
tão cheia de cuidados na manjedoura a louça
translúcida do ar
 
 
 
antónio franco alexandre
dos jogos de inverno
poemas
assírio & alvim
1996

 



1 comentário:

Pimenta Mais Doce disse...

Olá! Gostei muito do blog e já o segui! Quero convidá-lo a visitar e a seguir o meu blog de volta <3

www.pimentamaisdoce.blogspot.com