Devo imenso
aos que não amo.
O alívio com que aceito
eles estarem mais próximos de outras pessoas.
A alegria de não ser eu
o lobo dos seus cordeiros.
A minha paz com eles,
com eles a minha liberdade,
e isto não o pode dar o amor
nem o consegue tirar.
Não espero por eles
entre porta e janela.
Quase tão calma
como um relógio de sol,
entendo
o que o amor não entende,
desculpo
o que o amor jamais desculparia.
Entre carta e encontro
não passa a eternidade,
mas simplesmente uns dias ou semanas.
As viagens com eles são conseguidas,
os concertos escutados,
as catedrais visitadas,
as paisagens nítidas.
E quando nos separam
sete rios e montanhas,
são rios e montanhas
bem conhecidos dos mapas.
É mérito deles
que eu viva em três dimensões,
num espaço não lírico e não retórico
com um horizonte real porque movente.
Eles próprios ignoram
quanto trazem nas mãos vazias.
«Nada lhes devo» -
diria o amor
a este tema aberto.
wislawa szymborska
paisagem com grão de areia
trad. júlio sousa gomes
relógio d’água
1998
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