18 janeiro 2012

angela figuera aymerich / s. poeta lavrador





Eu  era poeta lavrador.
Meu campo era amarelo e áspero.
Todos os dias eu suava,
para o abrandar, suor e lágrimas.
Atrás dos bois, lentos e firmes,
andava a reiha do meu arado.
Meus sulcos eram largos, fundos.
(Meus versos eram fundos, largos.)
Eu semeava pelo Outono,
ano atrás de ano, sem desânimo.
Por cada mão cheia de grão
ia um punhado de beleza
e um poucochinho  de verdade
(sob a indiferença de meu amo).
Ano atrás de ano eu ceifava
sob o ardente sol do Verão:
de fome e dor era tal ceifa;
de fome, dor e desengano.
No São Poeta Lavrador
aos meados do mês de Maio,
quando no altar da catedral
ardem as velas do milagre
ajoelhei-me sobre a pedra
antes do galo madrugar
e estive assim, reza que reza,
a  fronte humilde, em cruz os braços.
A Deus o Pai, a Deus o Filho
e a Deus — Espírito Santo,
com toda a urgência lhes pedi
que no prestassem um auxílio.
Pedi por mim e pelos bons,
pelos que dizem que são maus,
pelos surdos com bom ouvido
e pelos cegos de olhos vivos.
Pelos soldadinhos de chumbo
e pelo chumbo idos soldados.
Pelos de estômago vazio
e pelos curados do espanto.
Pelos meninos de cu ao léu
e as meninas de olhos pasmados.
Pelas mães  com os peitos secos
e pelos avós que se emborracham.
Pelos caídos sobre a neve,
pelos queimados pelo Verão,
pelos que dormem na cadeia
e os que giram ao desamparo,
pelos que ‘gritam contra o vento,
pelos que se calam assustados,
pelos que têm sede e  esperam
e pelos que estão desesperançados.
Ardentemente, largas horas,
estive assim, pedindo, orando.
Com os joelhos esfolados,
Gosto a incenso nos meus lábios,
eu, S. Poeta Lavrador,
quando já o sol andava alto,
saí em nome de Deus Pai,
do Filho e do Espírito Santo,
com os olhos cheios de esperança,
saí ao encontro do milagre:
(Anjos entregues à tarefa,
na minha terra arando, arando.
Sob a sombra das suas asas,
altas espigas, loiro grão...
Pão de justiça para todos.
Amor e paz desenterrados.)

Olhei! Olhei! Os anjos não estavam.
Os bois imóveis, solitário o campo.

Deixei secar o sangue dos joelhos.
Olhei de frente e empunhei o arado.






angela figuera aymerich
poesia espanhola do após-guerra
selecção e tradução de egito gonçalves
portugália
1962




2 comentários:

MariaJB disse...

Olá

Tenho seguido os seus blogues com muito, muito interesse, pela excelência do que escreve e pela excelência do que aprecia. Graças ao seu blog conheci poetas que desconhecia, fiquei mais rica, obrigada.
Criei um blog recentemente e decidi então "oficializar-me" como sua seguidora. Se tiver um pouco de tempo visite (http://poesiamariajb.blogspot.com poesia...é música) pode ser que aprecie também, embora eu tenha a perfeita consciência que em nada é comparável à qualidade do que oferece. Escrevo somente pelo prazer sem qualquer pretensão.
Até breve.
MariaJB

gs disse...

Muito obrigado pelo comentário, Maria. Vou ficar atento ao seu blogue.