12 fevereiro 2022

antónio botto / nem sequer podia

 
 
Nem sequer podia
Ouvir falar no teu nome.
E se fixava o teu vulto,
Irritava-me, sofria
Por não poder insultar-te…
Até que um dia,
– Foi no Inverno, anoitecia.
Chuviscava; - uma chuvinha
Impertinente e gelada
Como sorriso de ironia
Numa boca desejada.
 
Já não sei o que disseste;
Nem me lembro do que disse…
 
A chuva continuava.
Atravessámos um jardim.
E à luz fosca
Dum candeeiro,
Segredaste ao meu ouvido:
Quero entregar-te o meu corpo.
E eu acrescentei: - Pois sim.
 
A chuva tornou-se densa.
Eu ia todo encharcado.
Por fim, chegámos; entrei…
Um marinheiro descia
Ajeitando a camisola
E compondo os caracóis.
 
Era uma casa vulgar,
Aonde o amor
– Oculto a todos os sóis,
Se vendia a troco da “real mola”.
 
Arrependi-me. Blasfemei…
Mas quando abandonei os teus braços
Senti que tinha mais alma!
 
E nunca mais te encontrei!
 
 
 
antónio botto
màrio soares, os poemas da minha vida
público
2005




 

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