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Os grandes barcos de granito azul avançam
marcando a sua época.
No mar
as velhas canções de música
petrificadas por estrelas velocíssimas
são a origem dos ciclones
(os jornais asseguram-nos a sua existência)
e nestas montanhas conscientes da sua fragilidade
os cegos rosados
lutam no bar das estátuas mitológicas
esgrimindo agilmente as facas.
Hoje repousaremos na rua deserta
os pequenos maquinismos de anulação do tempo
bem firmes entre os dedos
como anéis circunvolutórios
até que um sulco de areia penetre o mar e tinja as águas
e neste pequeno café da praia
outros homens povoem a fúria das ondas
e dos rochedos que são a nossa maneira
de descobrir veículos de amor.
A subtil invenção da tua epiderme
a fragilidade obscura das tuas mãos
será apunhalada ao amanhecer
quando a nossa lucidez se fundir no horizonte
e toda a turba rolando pelas colinas
se suicidar com uma pétala sobre as pálpebras.
E a janela indicando-nos os signos de certos templos
os murais de agulhas oxidadas
a tua espantosa e inconsciente pureza
de ser boreal
presente em todos os viadutos dos meus gestos
presente nas pedras desta antiga e odiosa cidade.
E toda a minha angústia para ti
como os prédios em derrocada
que são a tua permanente ausência
o desespero de uma voz disseminada
pelos clarões do tempo que teremos de viver.
Longe futuramente longe
nas fugas geométricas dos museus
na misteriosa cadeira lavrada dos contos policiais
na erosão da cama ainda quente do teu corpo
as luzes extinguem-se lentas.
Creiamos.
Mas o frio desta geada de actos convenientes
acorda a hora do universo
a hora imperturbável de toda a fixação dos actos
quando os rios apagarem o sangue desta geração
das pa1avras de medo que não pronunciamos
no banho de cinzas da nossa existência.
carlos eurico da costa
a única real tradição viva
antologia da poesia surrealista portuguesa
perfecto e. cuadrado
assírio & alvim
1998