I
Aqui está a América com a sua Estátua!
Que alta é a «Liberdade» dos brancos,
que espessas cadeias me põe no Sul!
E arrastei os meus grilhões de desespero
por todo o Mississipi, Kentucky, Alabama
Georgia, Carolina, Louisiana,
onde cada gota de suor germinou
um Estado,
um verdugo.
Não pressentes na bandeira
os meus esforços constelados?
Estão nas estrelas americanas
forjadas pelo tio Sam
nos meus grilhões de desespero
por todo o Mississipi, Kentucky, Alabama,
Georgia, Carolina, Louisiana,
ai
que terra tamanha
com pulmões de aço,
narinas como chaminés,
cérebro de gelo,
olhos eléctricos.
Os braços são máquinas,
o ventre é um cofre.
Não sei por quanto me venderão amanhã,
não sei onde me lincharão depois de amanhã.
Aqui aparece a cruz
Ku-Klux-Klan,
labareda de racismo
talhada em angústia negra
nos soluços da noite
Ku-Klux-Klan,
veneno carregado de fúria americana
Ku-Klux-Klan,
punhal de sonhos meninos no Sul
Ku-Klux-Klan,
punhal sangrento sobre o meu Povo
gemente in United States of America
Ku-klux-Klan.
II
Olha o curtido Sul como uma larga pele de bisonte,
impreciso,
chamejante de solidez!
Não ouves o trompete no vento?
Olha o clarão meridional,
a pedra antiga,
o metal da solidão!
…e o trompete no vento…
Armstrong!
Nada cruza o céu,
nem pássaro,
nem borboleta,
nem vampiro.
Só Armstrong!
…e o trompete no vento…
IV
Mas quando chegares a New Orleans
olha para os meus dentes teclas
de jazz,
minhas pernas múltiplas
de jazz,
minha cólera ébria
de jazz,
olha os mercadores da minha pele,
olha os matadores ianques
pedindo-me
jazz,
one
two
three
jazz,
sobre o meu sangue
jazz,
milhões de palmas para mim
jazz.
manuel lima
poezz
jazz na poesia em língua
portuguesa
almedina
2004