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09 agosto 2018

sophia de mello breyner andresen / terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo.





Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo.

Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa


sophia de mello breyner andresen
coral
obra poética
assírio & alvim
2015













08 junho 2018

sophia de mello breyner andresen / mais do que tudo, odeio




Mais do que tudo, odeio
Tantas noites em flor de Primavera,
Transbordantes de apelos e de espera,
Mas donde nunca nada veio.


sophia de mello breyner andresen
obra poética
assírio & alvim
2015















25 abril 2018

sophia de mello breyner andresen / nestes últimos tempos







Nestes últimos tempos é certo a esquerda fez erros
Caiu em desmandos confusões praticou injustiças

Mas que diremos da longa tenebrosa e perita
Degradação das coisas que a direita pratica?

Que diremos do lixo do seu luxo —  de seu
Viscoso gozo da nata da vida — que diremos
De sua feroz ganância e fria possessão?

Que diremos da sua sábia e tácita injustiça
Que diremos de seus conluios e negócios
E do utilitário uso dos seus ócios?

Que diremos de suas máscaras álibis e pretextos
De suas fintas labirintos e contextos?

Nestes últimos tempos é certo a esquerda muita vez
Desfigurou as linhas do seu rosto

Mas que diremos da meticulosa eficaz expedita
Degradação da vida que a direita pratica?



sophia de mello breyner andresen
o nome das coisas
caminho
2004





10 abril 2018

sophia de mello breyner andresen / pátria




Por um país de pedra e vento duro
Por um país de luz perfeita e clara
Pelo negro da terra e pelo branco do muro

Pelos rostos de silêncio e de paciência
Que a miséria longamente desenhou
Rente aos ossos com toda a exactidão
Dum longo relatório irrecusável

E pelos rostos iguais ao sol e ao vento

E pela limpidez das tão amadas
Palavras sempre ditas com paixão
Pela cor e pelo peso das palavras
Pelo concreto silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as coisas nomeadas
Pela nudez das palavras deslumbradas

- Pedra   rio   vento   casa
Pranto   dia   canto   alento
Espaço   raiz   e água
Ó minha pátria e meu centro

Me dói a lua me soluça o mar
E o exílio se inscreve em pleno tempo


sophia de mello breyner andresen
livro sexto
1962






30 outubro 2017

sophia de mello breyner andresen / homenagem a ricardo reis



I
Não creias, Lídia, que nenhum estio
Por nós perdido possa regressar
  Oferecendo a flor
                Que adiámos colher.

Cada dia te é dado uma só vez
E no redondo círculo da noite
                Não existe piedade
                Para aquele que hesita.

Mais tarde será tarde e já é tarde.
O tempo apaga tudo menos esse
                Longo indelével rasto
                Que o não vivido deixa.

Não creias na demora em que te medes.
Jamais se detém Kronos cujo passo
                Vai sempre mais à frente
                Do que o teu próprio passo.



sophia de mello breyner andresen
dual
caminho
2004







15 fevereiro 2017

sophia de mello breyner andresen / corpo a corpo



Lutaram corpo a corpo com o frio
Das casas onde ninguém passa,
Sós, em quartos imensos de vazio,
Com um poente em chamas na vidraça.



sophia de mello breyner andresen
obra poética I
poesia I
caminho
1999




15 novembro 2016

sophia de mello breyner andresen / as fotografias



Era quase no inverno aquele dia
Tempo de grandes passeios
Confusamente agora recordados –
A estrada atravessava a serra pelo meio
Em rugosos muros de pedra e musgo a mão deslizava –
Tempo de retratos tirados
De olhos franzidos sob um sol de frente
Retratos que guardam para sempre o perfume de pinhal das tardes
E o perfume de lenha e mosto das aldeias


sophia de mello breyner andresen
dual
caminho
2004



01 maio 2016

sophia de mello breyner andresen / primavera



Primavera que Maio viu passar
Num bosque de bailados e segredos
Embalando no anseio dos teus dedos
Aquela misteriosa maravilha
Que à transparência das paisagens brilha.


sophia de mello breyner andresen
obra poética I
poesia I
caminho
1999



10 março 2016

sophia de mello breyner andresen / se todo o ser ao vento abandonamos



Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus, em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma beberá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.



sophia de mello breyner andresen
sião
organização de al berto, paulo da costa domingos
e rui baião
frenesi
1987




04 dezembro 2015

sophia de mello breyner andresen / poema



Poema de geometria e de silêncio
Ângulos agudos e lisos
Entre duas linhas vive o branco.


sophia de mello breyner andresen
obra poética I
coral
caminho
1999


28 agosto 2015

sophia de mello breyner andresen / as fotografias



Era quase no inverno aquele dia
Tempo de grandes passeios
Confusamente recordados ─
A estrada atravessava a serra pelo meio
Em rugosos muros de pedra e musgo a mão deslizava ─
Tempo de retratos tirados
De olhos franzidos sob um sol de frente
Retratos que guardam para sempre
O perfume de pinhal das tardes
E o perfume de lenha e mosto das aldeias.



sophia de mello breyner andresen
dual
caminho
2004



07 julho 2015

sophia de mello breyner andresen / carta aos amigos mortos


Maria Barroso (2-05-1925 / 7-07-2015)






Eis que morrestes - agora já não bate
O vosso coração cujo bater
Dava ritmo e esperança ao meu viver
Agora estais perdidos para mim
- O olhar não atravessa esta distância -
Nem irei procurar-vos pois não sou
Orpheu tendo escolhido para mim
Estar presente aqui onde estou viva.
Eu vos desejo a paz nesse caminho
Fora do mundo que respiro e vejo.
Porém aqui eu escolhi viver
Nada me resta senão olhar de frente
Neste país de dor e incerteza.
Aqui eu escolhi permanecer
Onde a visão é dura e mais difícil

Aqui me resta apenas fazer frente
Ao rosto sujo de ódio e de injustiça
A lucidez me serve para ver
A cidade a cair muro por muro
E as faces a morrerem uma a uma
E a morte que me corta ela me ensina
Que o sinal do homem não é uma coluna.

E eu vos peço por este amor cortado
Que vos lembreis de mim lá onde o amor
Já não pode morrer nem ser quebrado.
Que o vosso coração que já não bate
O tempo denso de sangue e de saudade
Mas vive a perfeição da claridade
Se compadeça de mim e de meu pranto
Se compadeça de mim e do meu canto.



sophia de mello breyner andresen
livro sexto
1962




17 julho 2014

sophia de mello breyner andresen / noite



Noite de folha em folha murmurada,
Branca de mil silêncios, negra de astros,
Com desertos de sombra e luar, dança
Imperceptivel em gestos quietos.



sophia de mello breyner andresen
obra poética I
dia do mar 1947
caminho
1999



02 julho 2014

sophia de mello breyner andresen / espera



Dei-te a solidão do dia inteiro,
Na praia deserta, brincando com a areia,
No silêncio que apenas quebrava a maré cheia
A gritar o seu eterno insulto,
Longamente esperei que o teu vulto
Rompesse o nevoeiro.



sophia de mello breyner andresen
obra poética I
dia do mar 1947
caminho
1999




16 maio 2014

sophia de mello breyner andresen / eis que



Eis que o mundo de ti cai abolido
E tu ficas sozinho e muito longe
Com dois búzios do mar sobre os ouvidos
Ouvindo, só para ti, uma canção

Assim as flores de dentro para fora
Se queimam sob o halo dos perfumes
E voltam para nós os olhos cegos
Estrangeiras a tudo no sabor
Duma substância angélica e terrível.



sophia de mello breyner andresen
obra poética I
coral
caminho
1999




25 abril 2014

sophia de mello breyner andresen / se tanto me dói que as coisas passem



Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na busca de um bem definitivo
Em que as coisas de Amor se eternizassem



sophia de mello breyner andresen






25 março 2014

sophia de mello breyner andresen / instante



Deixai-me limpo
O ar dos quartos
E liso
O branco das paredes
Deixai-me com as coisas
Fundadas no silêncio


sophia de mello breyner andresen





24 setembro 2013

sophia de mello breyner andresen / há cidades acesas



Há cidades acesas na distância,
Magnéticas e fundas como luas,
Descampados em flor e negras ruas
Cheias de exaltação e ressonância.

Há cidades cujo lume
Destrói a insegurança dos meus passos,
E o anjo do real abre os seus braços
Em nardos que me matam de perfume.

E eu tenho de partir para saber
Quem sou, para saber qual é o nome
Do profundo existir que me consome
Neste país de névoa e de não ser.



sophia de mello breyner andresen
obra poética I
caminho
1999




10 setembro 2013

sophia de mello breyner andresen / noites sem nome



Noites sem nome, do tempo desligadas,
Solidão mais pura do que o fogo e a água,
Silêncio altíssimo e brilhante.

As imagens vivem e vão cantando libertadas
E no secreto murmurar de cada instante
Colhi a absolvição de toda a mágoa.


sophia de mello breyner andresen
obra poética I
caminho
1999


29 julho 2013

sophia de mello breyner andresen / sequência


I

Como esquecida voz de um amor muito antigo
Desgarram-se no ar as pancadas de um sino
A casa onde moro não fica rente às águas da laguna
Mas a parede é branca e vê-se o rio
E embora hydras e fúrias nos desfiem
A diversidade de coisas como Ponge diz
Não constrói



sophia de mello breyner andresen
as escadas não têm degraus 3
livros cotovia
março 1990