a sedução de hildebrandonaquele tempo, media a infância pelo porte regular das
cumeadas, pela passada ostensiva do avô por entre o
tojo. falava-se baixo, muito devagar, o necessário.
então, o avô estacava. como se perscrutasse as razões
íntimas de deus ante o fulgor animal da paisagem, como
se decifrasse. passava-se dias nessa lentidão de
batedor, pelos sopés. mas nas noites quentes de
setembro, assentava uma manta vermelha sob a latada
breve e discreta para olharmos de frente o universo. o
avô era generoso, dava a ler o céu e a terra. enquanto
os carros desciam por el carmen como luzeiros
infligindo a noite. naquele tempo, subia-se pela
serra, às contracurvas, para ver o mar. eu nem sequer
sabia que todo aquele que reparte dá, quando rente ao
estio se galgava a umbria. então, o avô pagava por uma
aiola para abordarmos a pedra grande. a avó esperava
sobre uma manta vermelha, na praia, e passaram anos. o
avô andava já cansado. eu deixara de fazer contas
pelas cumeadas e as máquinas impuseram, a um e outro
flancos do dorso macio, uma lenta, obstinada voragem.
porque as máquinas são poços de força, são coisas
estranhas aos utensílios de deus. mas onde quer que
esteja, o avô ainda sabe, como ninguém, ler o céu, a
terra e o mar, a circunspecção rudimentar do universo.
e deixar tudo como estava.
j.p. francisco