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21 dezembro 2022

ezra pound / o agravo da escadaria cravejada

 



 
Os degraus cravejados já estão brancos do orvalho,
É tão tarde que o orvalho ensopa minhas meias d gaze,
E deixo cair a cortina de cristal
E contemplo a lua, através do claro outono.
 
                                                                    RIHAKU
 
 
 
ezra pound
antologia poética
personae
tradução m. faustino
editora ulisseia
1960




16 março 2020

ezra pound / soirée


Ao ser informado de que a mãe escrevia versos,
E de que o pai escrevia versos,
E de que o filho mais novo trabalhava numa editora,
E que o amigo da filha segunda estava escrevendo um
                                                                     [romance
O jovem peregrino americano
Exclamou:
                «Éta penca de gente sabida!»



ezra pound
antologia poética
personae
tradução m. faustino
editora ulisseia
1960








20 abril 2019

ezra pound / numa estação de metro



A visão destas faces dentre a turba;
Pétalas num ramo húmido, escuro.



ezra pound
antologia poética
personae
tradução m. faustino
editora ulisseia
1960





26 maio 2018

ezra pound / o olho que vê




Os cães pequenos olham para os cães grandes;
Observam as intratáveis dimensões
E as curiosas imperfeições do odor.
Eis um grupo de machos compenetrados:
Os homens jovens olham de cima os mais velhos
Consideram-lhes a mente de meia-idade
Observam-lhes as correlações inexplicáveis.

Tsin-Tsu disse:
Somente nos cães pequenos e nos jovens
 Encontramos a observação minuciosa.



ezra pound
antologia poética
personae
tradução m. faustino
editora ulisseia
1960








02 novembro 2017

ezra pound / sobre a sua própria face num espelho




Oh face estranha aí no espelho!
Companheiro libertino, sagrado anfitrião,
Oh meu bufão varrido pela dor,
Que responder? Oh vós miríade
Que labutais, brincais, passais,
Zombais, desafiais, vos contrapondo!
Eu? Eu? Eu?
                                      E vós?




ezra pound
antologia poética
personae
tradução m. faustino
editora ulisseia
1960



29 setembro 2017

ezra pound / a água-furtada



Vamos, lamentemos os que estão em melhor
      situação que a nossa.
Vamos, meu amigo, e lembra-te
      os ricos têm mordomos e não têm amigos,
E nós temos amigos e não temos mordomos.
Vamos, lamentemos os casados e os solteiros.

A aurora entra com pés pequenos
      Pavlova dourada,
E estou perto do meu desejo.
E a vida não tem nada de melhor
Que esta hora de claro frescor,
      a hora de acordar juntos.




ezra pound
antologia poética
lustra 1916
tradução m. faustino
editora ulisseia
1960



19 abril 2015

ezra pound / «a nuvem imóvel» de to-em-mei



«Primavera molhada, » diz To-em-mei,
«Primavera molhada no jardim.»


I
As nuvens acumularam-se e acumularam-se
                   e a chuva a cair e a cair
As oito pregas dos céus
                   dobraram-se num único negrume,
E a estrada longa e plana a prolongar-se.
Detenho-me no meu quarto que dá para leste, calmo, calmo,
Afago o meu novo casco de vinho.
Os meus amigos estão arredados, ou estão lone,
Curvo a cabeça e permaneço quieto.

II
Chuva, chuva, e as nuvens acumularam-se,
As oiti pregas dos céus são um negrume,
A terra plana transformou-se em rio.
                   «Vinho, vinho, aqui há vinho!»
Bebo junto à janela que dá para leste.
Penso em conversar e em alguém,
E nenhum barco, ou carruagem, se aproxima.

III
As árvores no meu jardim voltado a leste
                   rebentam numa explosão de ramos novos,
Tentam atiçar afeição nova,
E os homens dizem que o sol e a lua giram sempre
                   porque não conseguem achar um aconchego.
As aves esvoaçam ao pousar na minha árvore
                   e a mim parece-me que as ouvi dizer,
«Não é que não existam outros homens,
Mas nós gostamos mais é deste sócio,
Mas apesar do nosso anseio em lhe falar
Nada ele pode saber da nossa mágoa.»

T”ao Yuan Ming
365-427 d. C.



ezra pound
catahay
tradução gualter cunha
relógio d´água
1995




08 março 2014

ezra pound / saudação




Oh geração dos afetados consumados
e consumadamente deslocados,
Tenho visto pescadores em piqueniques ao sol,
Tenho-os visto, com suas famílias mal-amanhadas,
Tenho visto seus sorrisos transbordantes de dentes
e escutado seus risos desengraçados.
E eu sou mais feliz que vós,
E eles eram mais felizes do que eu;
E os peixes nadam no lago
e não possuem nem o que vestir.



ezra pound



03 dezembro 2012

ezra pound / portrait d' une femme


  

O teu espírito e tu são o nosso mar dos Sargaços,
Londres passou rápida por ti durante todo este tempo
E barcos brilhantes deixaram-te isto ou aquilo em paga:
Ideias, velhos mexericos, restos banias de tudo,
Estranhos mastros de sabedoria e baças mercadorias de valor.
Grandes espíritos te procuraram - à falta de outrem.
Sempre ficaste em segundo lugar. Trágico?
Não. Preferias isso ao costumeiro:
Um só homem insípido, babado e embotante,
Um espírito mediano, com um pensamento a menos cada ano.
Oh, tu és paciente, tenho-te visto sentada
Durante horas, onde algo poderia ter vindo à superfície,
E agora pagas. Sim, pagas muito bem.
Tu és uma pessoa com algum interesse, quem te procura
Retira um estranho lucro:
Troféus recuperados do mar; uma qualquer sugestão curiosa;
Factos que a nada conduzem; e uma história ou duas,
Prenhes de mandrágoras ou de qualquer outra coisa
Que podia vir a ser útil, e, contudo, nunca o é,
Que nunca se arruma a um canto nem mostra utilidade,
Nem vê chegar a sua hora no tear dos dias.
Antigas coisas sem brilho, vistosas, admiráveis;
Ídolos e âmbar pardo e raros embutidos,
São estes os teus bens, a tua grande riqueza; e contudo,
Apesar de todo este tesouro marinho de objectos caducos,
Estranhas madeiras meio molhadas e novas bugigangas mais
                                                                               [ berrantes,
No lento boiar de diferente profundidade e luz,
Não! Não há nada! No conjunto de tudo,
Nada que seja propriamente teu.
                 Contudo, isto és tu.





ezra pound
leituras poemas do inglês
trad. joão ferreira duarte
relógio d'água
1993



13 novembro 2011

ezra pound / despedida de um amigo




Serras azuis a norte das muralhas,
Um rio branco a serpentear por elas;
Aqui nos devemos separar
E seguir por mil milhas de erva morta,

A mente como ampla nuvem flutuante,
O pôr do sol como o adeus de velhos conhecidos
Que à distância se curvam de mãos postas.
Os nossos cavalos relincham um para o outro
                  quando nos afastamos.


Rihaku






ezra pound
cathay
tradução gualter cunha
relógio d´água
1995



26 fevereiro 2009

ezra pound / cathay















Poema junto à ponte em Ten-shin




Março chegou ao contraforte da ponte,
Sobre mil portões pendem ramos de pêssegos e de alperces,
Pela manhã há flores de cortar o coração,
E o anoitecer leva-as com as águas para leste.
Há pétalas nas águas já passadas e nas que passam,
E no retornar dos redemoinhos,
Mas os homens de hoje não são os homens de outros tempos,
Embora de modo igual se debrucem sobre a ponte.

A cor do mar move-se ao amanhecer
E os príncipes ainda estão em filas, junto ao trono,
E a lua cai sobre os portais de Sei-jõ-yõ,
E pega-se às paredes ao topo do portão.
Com capacetes cintilantes contra a nuvem e o sol
Os nobres saem da corte, para fronteiras distantes,
Montam cavalos que parecem dragões,
Cavalos com cabeçadas de metal amarelo,
E as ruas abrem alas para que passem.
Altiva a sua passagem,
Altivos os seus passos a caminho dos banquetes,
Dos grandes salões com comida esquisita,
Do ar perfumado e raparigas a dançar,
Das flautas límpidas e do cantar límpido;
Da dança dos setenta pares;
Das perseguições loucas pelos jardins.
A noite e o dia são dados ao prazer
Que eles pensam durará por mil Outonos,
Inesgotáveis Outonos.
Para eles os cães amarelos uivam presságios em vão,
E que são eles comparados com a senhora Ryokushu,
Que foi causa de ódio!
Quem entre eles é um homem como Han-Rei
Que partiu sozinho com a amante,
Ela de cabelo solto, e ele o seu próprio barqueiro!


(Rihaku)







ezra pound
cathay
tradução gualter cunha
relógio d´água
1995