A superfície do pão é maravilhosa primeiro por causa
desta impressão quase panorâmica que dá: como se se tivesse ao dispor, sob a
mão, os Alpes, o Taurus ou a Cordilheira dos Andes.
Assim pois uma massa amorfa enquanto arrota foi
introduzida para nós no forno estelar, onde, endurecendo, se afeiçoou em vales,
cumes, ondulações, ravinas… E todos esses planos desde então tão nitidamente
articulados, essas lajes finas em que a luz aplicadamente deita os seus lumes,
– sem um olhar sequer para a flacidez ignóbil subjacente.
Esse lasso e frio subsolo que se chama o miolo tem
o seu tecido semelhante ao das esponjas: folhas ou flores são aí como irmãs
siamesas soldadas por todos os cotovelos ao mesmo tempo. Logo que o pão
endurece essas flores murcham e contraem-se: destacam-se então umas das outras
e a massa torna-se por isso friável.
Mas quebremo-la, calemo-nos: porque o pão deve ser
na nossa boca menos objecto de respeito do que de refeição.
francis
ponge
le parti pris des choses
alguns poemas
tradução de manuel gusmão
livros cotovia
1996
le parti pris des choses
alguns poemas
tradução de manuel gusmão
livros cotovia
1996
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